quinta-feira, fevereiro 27, 2014

E SE EU ACRESCENTASSE ALGO?

1794796_1420900998150916_1686626475_sManuel Maria Carrilho, no seu artigo de opinião do hoje (27.02.2014) no Diário de Notícias, fazendo referência a estudos de opinião, revela que estes nos confirmam que “a maioria dos cidadãos pensa que pior que um regime político de partidos, só um regime político…sem eles”. Concordo. No entanto, o que a seguir refere, no contexto deste breve texto, é bem mais curioso para mim, dado situar o objeto de consideração no perfil da adoção dos partidos políticos por parte dos cidadãos, distinguido (em concreto) três tipos de adesão; o clubista, o pretoriano e o cidadão. Quanto ao primeiro, ele caracteriza-o como o mais tribal; o segundo, define-o como “ [vivendo] do chefe e para o chefe”; o terceiro e último, enaltece-o porquanto ele “valoriza as ideias e a sua discussão”, acentuando ao arrematar e em sintonia com uma perceção generalizada, que “o caminho tem-se feito sempre em prejuízo [deste último] ”.

Descartando a referência matreira ao Congresso do PSD como evidência das evidências, não posso deixar de manifestar a minha relativa concordância com o esquema de análise proposto, na medida em que nele se inscrevem alguns critérios básicos à aceitabilidade de uma qualquer teoria, aqui entendida e respaldada na sua adequação aos factos. A perceção generalizada acima referida, alicerçada na realidade empírica, largamente testemunhada e regularmente confirmada, valida por si a demandada norma do crédito da presunção. Por outro lado, a categorização proposta, embora esquemática, não expõe inconsistências criticáveis, respeitando (destarte) um outro reivindicado preceito, ou seja, o do critério da coerência interna. Acresce ainda, designadamente no plano formal, que o esquema em apreço, não corrompendo nem contestando princípios democráticos instituídos no domínio da organização político-partidária, convoca a possibilidade de abertura a novos caminhos e formas de sociabilidade, inclusão e participação política e partidária.

Neste âmbito, a talhe de foice – e aqui não deveria associar o martelo – penso que muitos dos nossos políticos, assumindo-se como a elite das elites, olham para as massas a partir deles, definindo-as assim como parte negativa de uma antinomia simplificada, tornando homogéneo e indiferenciado o que é objetivamente diverso. Todavia, é bom lembrar que a generalidade das elites, designadamente as políticas, não desconhecem que o nível de influência – quando não de intimidação – sobre as massas é tanto maior quanto menor for o nível de incorporação e de participação organizada destas no espaço público-institucional, agindo (assim e como tal) em conformidade. O conservadorismo político, de uma forma geral, e a direita populista de um jeito bem grosseiro, sabem bem quanto é importante que as massas constituam um amplo amontoado de gente desorganizada, mantidas numa envolvente de sociabilidade emocional, naturalmente superficial e efémera, para que a individualidade facilmente possa submergir no constrangimento difuso por eles deliberadamente infundido. Assim sendo, logicamente não posso deixar de sustentar que a(s) esquerda(s), de verdade – e com verdade – enraizada(s) nas massas, nas suas necessidades e comprometidas com os seus anseios, em coerência têm de lutar, organizando-se e trabalhando, em sentido objetivamente inverso, rejeitando não só o tribalismo partidário e a militância pretoriana como a própria cidadania hipotecada a uma ordem iníqua e insensível (ou mesmo indiferente) à condição humana. Assim sendo, interrogo-me; estarei eu a pensar acertadamente?

domingo, fevereiro 23, 2014

SE OS PORTUGUESES VIVEM PIOR, PORTUGAL ESTÁ MELHOR PARA QUEM?

FOTO imagemEnaltecer um Portugal melhor, com os portugueses a viver pior, representa a confirmação eloquente de que a mentira também faz parte da verdade. E porquê? Porque a mentira, na sua peculiar falsidade, tem como intento esconder, confundir ou iludir, acobertando-se na insídia obscuridade de um suposto fundo de verdade. Por outro lado, a mentira no seu regabofe de deturpação constante, escora-se sempre na simples e conhecida regra, aliás manhosa e sempre alindada, cuja serventia não é mais do que encobrir, deslocar, excluir ou mesmo adulterar a verdade, tornando esta algo de indistinguível, de temido ou de adequadamente distante. Por último, e este é talvez o aspeto mais desafiante, partindo-se dela, a mentira possibilita o desenvolvimento de um exercício de análise crítico e fundamentado, quando se toma por objeto a relação dialética que ela estabelece com as realidades que procura ocultar, deturpar ou abastardar.

Assim sendo, a mentira transporta consigo muito embaraço, nela há muito hospedado, que importa divisar com o propósito de informar os interesses incertos e suspeitos que ela serve e protege e à ordem de quem. A partitura neoliberal está claramente engenhada e as partes que a formam justapostas em perfeita sintonia. E foi assim que o Congresso do PSD se tornou, neste fim-de-semana, numa peça nevrálgica da asfixiante e já montada arquitetura de propaganda, destinada tão-somente a formatar as representações e os sentimentos dos comparsas ditos inconsequentes e, em particular, dos bondosos eleitores mais desavisados. Deste modo transformada a magna assembleia numa feira de aleivosias, vaidades e fingidas convergências, ali se mercantilizou, como é óbvio, uma abundância de artefactos ideológicos contrafeitos. O interesse nacional, a social-democracia, a liberdade, a democracia e um estado social em bom estado foram os pregões mais escutados. O saldo do negócio estando (todavia) por apurar, uma coisa é já certa e o aviso conhecido. Nestas feiras, o que se compra está comprado. Não se aceitam posteriores reclamações. Assim, e depois deste reiterado aviso, aqui deixo um simpático recado; o futuro não despertará apenas amanhã, já que há muito que ele se vem encaminhando. Naturalmente contrafeito…

domingo, fevereiro 16, 2014

AS CRENÇAS DO NOSSO ACREDITAR

Viver é assumir-se para alterar-se.
Vilém Flusser

internacional-algemas-prisao-hamas-faixa-de-gaza-israel-fundamentalismo-isla-20130508-01-size-620O acontecido no passado encaminha o futuro pelas entranhas de um vínculo chamado memória. Não apenas por aquela autobiográfica e consolidada que a lembrança evoca, valendo-se da “representação de si” no movimento do tempo e amoldada por uma útil e ritmada ficção. A memória é bem mais ampla não se esgotando unicamente no lado consciente desta invenção fabuladora. O nosso sentir subjetivo – desprovido de recordação e de um “eu” imaginado num tempo preciso – subsiste  apesar de não se reconhecer nas raízes do seu passado.

Ora, é nesta superfície da memória – asseguram os doutos da especialidade – que se fixam os nossos valores, crenças e papéis, por apropriação e reconstrução, ativa e interna, dos elementos de uma cultura que acostuma. Com a repetição, a aptidão humana de pensar faculta a descoberta de homogenias e contrastes, produzindo-se, assim e naturalmente, as representações necessárias às aprendizagens da vida. Por consequência, provindo de contextos ordenados culturalmente, estas representações ou generalizações não são, por essa atuante razão, criações singulares, pese embora o seu emprego eclético orientado para interesses e utilidades necessariamente múltiplos e distintos.

Chegado a este ponto, levanta-se a questão; onde e como edifico as crenças para o meu acreditar? Pondo de lado, por prudência, os estratos mais profundos da crença, acolho a ideia de que esta aparece e se forma sempre num horizonte de indeterminação que, por uma necessidade intrinsecamente humana, o indivíduo procura conquistar, determinando através da descoberta, o ainda indeterminado. Mas, descortinar a verdade não é o mesmo que esclarecer o bem e muito menos deslindar o belo. Os atos de crença envolvidos na descoberta da verdade, do bem e da beleza não são atos da mesma casta. Enquanto a verdade faz apelo à prova, o bem recorre ao argumento e a beleza à evidência. Eis as diferenças que, no seu âmago, as distinguem e as separam.

A infundada certeza dos fundamentalistas, como parece ser notório, exibe-se na incondicional repulsa por uma qualquer evidência que a possa contraditar. Não estando propriamente no arbítrio de quem a aclama, a desvirtude reside sobretudo na convicção firme da irrefutabilidade da sua certeza e na superior companhia da negação da evidência que a recusa. Tanto quanto sou capaz, escoltado por uma vontade de pensar criticamente, embora defenda com forte paixão as minhas crenças, não deixo de estar atento aos escorregadios declives fundamentalistas ou ao conforto fácil e abrigador do pálio de uma qualquer fé. O assenhoreamento do indeterminado faz-se perseguindo a verdade, validando-a com provas que a tornem mais real. Na ausência destas, a crença enfraquece. Na presença convincente de outras que a refutam, resta um caminho; considerar a falha e mudar de ideias. Simples, evitando os fundamentalismos obtusos ou a amável comodidade das verdades reveladas.

sábado, fevereiro 08, 2014

A VERDADE DE UMA ESTATÍSTICA E A SUA INSIGNIFICÂNCIA EMPÍRICA

Exemplo tomado de empréstimo de Mark Blyth, embora o texto seja da minha total responsabilidade (Austeridade – A História de um Ideia Perigosa)

transferirOs economistas persistem em ver as questões de distribuição de uma forma simples que passo a descrever. Imagine que Bill Gates entra no bar onde você está a beber um copo. A partir do momento que ele entre no bar, toda a gente que está lá a beber (como você) passa a ser milionária. Porquê? Porque, garante o douto economista, o valor médio de todos os que lá estão não o desmente. No entanto, você sabe bem que na realidade não há milionários no bar mas apenas um multimilionário, apesar da teimosia do economista que permanece no seu competente cálculo.

As políticas de austeridade usam e abusam desta ilusão estatística e distributiva de um modo, diria eu, libidinoso. Porquê? Porque os economistas – designadamente os serventuários desta letal onda neoliberal – muito se encantam com uma outra realidade, a da volúpia matemática dos números. Servem os agiotas, bajulam os políticos e salivam com as recompensas. Assim sendo, a lição a retirar deste simples exemplo é igualmente simples; mais significativo que saber matemática, importa aprender a hermenêutica da sua razão.

terça-feira, fevereiro 04, 2014

OUTROS “AMANHÃS QUE CANTARÃO”…

… com um pouco de água benta para limpeza espiritual

transferirA crença na fatalidade e na influência dos fados, abrigada na descrença do que sobra, esclarece que tudo vai mal por culpa dos homens e não, mesmo nunca, da desatenção dos benévolos deuses. São estes os ingredientes mentais que, desposando servilmente o obscurecido e escurecedor argumentário de determinado conservadorismo ultramontano, lhe permitem – mas não só a ele – perseguir aquele imenso proveito, aliás muito real, de que “não há grande coisa a fazer” a não ser esperar pelo inevitável refúgio dadivoso e consolador numa qualquer e convincente fé teológica ou afim.

Deste modo, sabendo esse e outros conservadorismos (e os interesses por eles servidos) que não sobrevivem se não levarem a água (mais-valias) ao seu moinho (capital), trabalham os mesmos laboriosamente, cada um a seu jeito, para persuadir os crédulos não só de que “não há grande coisa a fazer”, mas, sobretudo, de que “não há mesmo nada a fazer”. Pelo que, e em conformidade, erigem assim os distintos e elegantes laisser-faire, laisser-passer em arrimos (ideo)lógicos da fórmula económica que ampara a embustice da enfática e persistente narrativa da mão invisível. Esta mão (feita de farsa e de ficção, pois desmentida ad nauseam), saberá arquitetar por essa sombria álea (assim no-lo juram pelas alminhas), com a ajuda escrupulosa de um qualquer deus misericordioso, a justiça no mundo dos homens. Ou seja, num devir ritmado “por amanhãs que também não deixarão de cantar”, naturalmente em paraísos sapientemente apresentados. Não aqui na terra, infelizmente. E é pena…

segunda-feira, fevereiro 03, 2014

A AMIZADE E A SEMÂNTICA

amizade1GOSTAR MAIS DE MENOS GENTE

Texto postado por Rogério Cação na sua página de Facebook

 

Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem – Millôr Fernandes

Posto que viver me é excelente, cada vez gosto mais de menos gente. A frase não é minha mas desse grande pensador das simplicidades que foi Agostinho da Silva. E dá que pensar. De facto, são muitas as pessoa que vamos conhecendo ao longo da vida, mas não são assim tantas as que se tornam indispensáveis. Não quer dizer que não se possa gostar de muita gente, mas apenas que apenas alguns cabem no lugar especial que cabe na ideia de “menos gente”. Mais do que uma escolha, o afeto pressupõe um merecimento, reciproco e incondicional e, deste ponto de vista, apenas nos “merecemos” quando somos quando se verifica essa dupla condição da indispensabilidade e incondicionalidade. E à medida que avançamos na idade, tornamo-nos mais exigentes nos afetos, porventura porque não temos tempo a perder. Com o passar dos anos, todos nós vamos gostando mais de menos gente. Porque uns quantos partiram. Porque outros tantos nos desiludiram ou dececionaram. Porque alguns não quiseram ou não souberam merecer-nos. Porque outros não apareceram quando precisávamos deles. São muitos os que passam pela nossa vida e que, sendo embora importantes num determinado momento, vamos deixando algures pelo caminho, às vezes sem sabermos muito bem porquê. É por isso que sentimos necessidade de, quando damos conta que nos falta gente, dar um saltinho ao passado e/ou arranhar a consciência, à cata de explicações para a ausência de gente que nos é indispensável. Talvez acrescentasse uma outra ideia ao pensamento de Agostinho da Silva: porque a vida não me é indiferente, cada vez gosto mais de menos gente. Mas quando gosto, gosto mesmo, acreditem.

Os meus comentários:

Ontem (02FEV), comentei na página do Rogério: “Gostei e de imediato pensei no lado calmo, idiossincrático e pessoal da vida que nem sempre se dá quando em demasia se submete o afeto à superfície dispersiva do número. Não se trata de uma vulgar misantropia nem de um qualquer outro refúgio egoísta. Apenas a descoberta de uma brecha de vida numa outra escala de possibilidades; a da reciprocidade que nos surpreende no íntimo da nossa própria condição”.

Hoje (03FEV), acrescento aqui: “Gostei de ler o teu texto não na perspetiva do número mas da semântica que acompanha a significação que se tem (ou pode ter) da amizade. Não é novidade para ninguém que, no plano histórico, a ideia de amizade aparece demasiado grudada aos ideais catequéticos de igualdade e de fraternidade sujeitando-a, assim, a uma forte envolvência de proximidade modelada no privilégio da autoridade de consciências vizinhas como as de intimidade e de familiaridade, entre outras. No entanto, todos nós também sabemos que esta proximidade (feita de intimidade e familiaridade) atrai, com uma frequência que nos surpreende, dinâmicas relacionais de imposições homogeneizadoras que enfermam a relação com o Outro através de práticas autoritárias que, longe de humanizar, sobretudo não integralizam. Tendo por eixo esta linha de pensamento, desviei o meu olhar para um outro horizonte, que o teu texto parece sugerir, da amizade enquanto relação intersubjetiva considerada num registo de qualidade diferente, ou seja, naquele que se desdobra na imprevisibilidade da alteridade e dos seus vínculos, designadamente tendo em conta os tempos de hoje marcados pela fragilidade e superficialidade das sociabilidades relacionais e comunicacionais. Independentemente do número de amigos - e como é bom os ter - é importante que estes nos preencham, nos façam crescer e nos ajudem a realizar esse projeto de sermos pessoas. E estes não são muitos e os outros não deixam, apesar disso, de continuar amigos. Embora, admitamo-lo, amigos certamente diferentes”.

domingo, fevereiro 02, 2014

ESQUERDAS, DIFICULDADES E INEVITABILIDADES

FOTO ACTUAL

 

Uma ordem política que descuida a intimidade sadia que os valores da legalidade e da juridicidade devem manter com os da moralidade e da eticidade, maleficia a coesão social, ofende a dignidade racional dos homens e humilha, sem contrição, a própria condição humana.

O discurso político do Governo e o da maioria parlamentar que o respalda, sobretudo este mais recente de eleitoralismo antecipado, descarado e sem-vergonha, em tinido de uma nota só, impudentemente e com cristalinidade, acrescido com o desplante sustento do concubinato financeiro e europeu, mostra - esse discurso - a perversidade dos tempos e a solércia entorpecente dos regedores de serviço à nossa combalida democracia.

A esquerda, embora destoante e diversamente enérgica no seu dever de oposição, tem de reconhecer que a malignidade da esperteza desse arengar assenta no conhecimento destas e daquelas outras (in)verdades que sabem explorar quando interessam e desdenhar fora disso. Nesta linha de raciocínio, espera-se da esquerda que saiba ser nobre, esclarecida e consequente e tudo faça para discernir os interesses capazes de agilizar a mobilização de uma razão prática que se torne causa poderosa na formação de uma vontade comum. Caso contrário, lamento ter de inferir que a direita governa porque a esquerda não o merece. O Capital rejubila, o Trabalho (entretanto) amargura…