quinta-feira, dezembro 29, 2016

UM CORPO AGITADO


O silêncio deste préstito fúnebre azeda-me. Definitivamente, já não dependo de mim. Desencaminhei a minha liberdade repetidamente, desprezando-a. Não vale a pena, nesta hora, o grito arrependido do abafado lamento. Ainda assim, a mudez dos marchantes teima em me perseguir, confirmando a cruciante subordinação. Detido no ataúde cerimonial, sinto bem o castigo merecido de não ter feito, afinal, um pouco mais. Pela minha liberdade, acompanhando outros nessa humana verdade. Por isso, sobre a pedra que me oculta abandono o seguinte epitáfio - “Aqui jaz um virtuoso e nobre medroso. Sacrificou a sua vida a ofertar bravura aos outros. Muitos deles, fracos e pobres de espírito”.

sábado, dezembro 24, 2016

UM TEMPO, O TEMPO DE NATAL

 

O tempo de Natal é um tempo plural que amadurece, tornando-se sempre, ao longo desse tempo diverso, uma inefável e, por vezes, insondável vivência. Da chaminé adornada pelos ansiosos sapatinhos, aos dias de hoje marcados pelas memórias da virtuosa credulidade. Permanecem, nesta caminhada, presenças consoladoras, e insistentes ausências, que inteiramente nos acarinham. Afinal, o tempo de Natal releva a espiritualidade que acontece com esse fatal desenhar da vida. Um humano e esquinado traçado de dor e de felicidade, esboçado pelo incessante afeto que alenta a Vida e tempera a vontade de a continuar a viver. É tempo de Natal.

quinta-feira, dezembro 08, 2016

O LEGADO DA INDIGNIDADE

 

A significante evolução das condições de vida, nas últimas décadas, é inegável. A narrativa histórica e social assim o reconhece e a memória dos mais provectos tal confirma. Agora, concordar esta corroboração com o desígnio ontológico da condição humana respalda em si um paralático equívoco. A lógica mercantilizada do desenvolvimento vem cavando um trágico fosso humano e social feito de desigualdades, injustiças e precariedades. O Trabalho disso se ressente e a Cidadania assim se inabilita. Isto posto, trabalhar a condição humana exige o estímulo do humano no Homem e, para tal, importa cuidar da qualidade das políticas e da democracia. Eis, na minha leitura, o essencial da advertência, aliás otimista, deixada por Carvalho da Silva na sua Conferência “O trabalho, A solidariedade Intergeracional, O tempo de reforma”, a 6 de dezembro, nas Caldas da Rainha (Delegação do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa).

quarta-feira, novembro 30, 2016

RESGATAR A LIBERDADE DESSA VONTADE QUE NÃO NOS PERTENCE

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(Apresentação que fiz do livro, UTOPIA, PARA O AMANHÃ, de Francisco Coelho Madureira, ontem, na Livraria Letra Livre/Lisboa/Bairro Alto)

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Poderia, nesta circunstância embaraçosa, fazer aquele número de proferir umas breves palavras de improviso, com base num texto previamente escrito, seguramente bem arrumado nesta minha já apoucada memória e, assim, fingir um talento que realmente não disponho. No entanto, certo de que não se deixariam enganar, e muito menos nessa mentira cairia o meu amigo Xico Madureira, optei por este escrito – que vou acompanhar, confesso, por intranquilidade minha – procurando, prometo, proteger-vos da desagradável monotonia, bem como, e tanto quanto possível, fintar o lado enfastiante do formalismo.

Experimentando eu, uma habitual comodidade quando abrigado nesse mundo prosaico da linguagem do quotidiano, no instante do convite para aqui estar presente nesta função de me pronunciar sobre a obra, como é fácil de entender, senti-me na verdade desaconchegado quando pressenti a poesia a aproximar-se de mim, imprudentemente a me apadrinhar e, no limite, a me distinguir – evidentemente por amizade – para uma árdua incumbência de apresentação do trabalho, sublime e poético, como é o caso desta UTOPIA, PARA O AMANHÃ.

quinta-feira, novembro 17, 2016

ESCUTAR O CORAÇÃO DO VAZIO

 

Que coração é este? Decerto, um coração que ilumina o vazio na recusa de se consolidar no nada. Um coração que dá vida a esse vazio que se rebela, e revela, ante uma arredia existência. Afinal de contas, um coração que desperta a espessura de um vigor que ainda resta e que, assim sendo, traz consigo incitação e existência. Na sua obstinada verdade, um coração que faz com que esse experimentado e preciso vazio se torne, tão-só, um momento valoroso, síntese de muitos outros, quiçá dolorosos e magoados, e lhe oferece um sentido capaz de presença e, sobremodo, de vontade de resistir. Aliás, momento esse que vale pela negação do falso nada e se dispõe ao alívio, angustiado e decadente, desse desvio sem rosto. Um coração, em suma, que comunica instruído por vigorosas e vigilantes memórias e nos faz permanecer inteiros, provando que o vazio e o nada não são coisas semelhantes. Assim nos ensina a experiência dura, embora tranquila, desse vazio aclarado, capaz de nos exibir a vida sobrante que entrementes se esvaiu. Um coração, enfim, que nos resgata o nosso próprio rosto, nesta hora, sagaz e recompensado.

quarta-feira, novembro 16, 2016

A FORTALEZA, 40 ANOS DE PRISÃO POLÍTICA

 

forte_Peniche_desenho_CunhalEnlaçada em factos, lembranças e esquecimentos, veracidades e falsificações, bem como em silêncios que a desengrandecem, a História constrói-se, em todo o caso, sempre incerta. Persistentemente entretecida pelos fios comprometedores da memória (individual e coletiva), as narrativas da história, fazem-se de maculadas impurezas ou (mesmo) de sujidades, sobretudo pelos poderes triunfantes dos poderosos e afins. Daí, um outro facto, ou seja, um consequente futuro que se vai mostrando nessa disputa desproporcionada da “verdade” das narrações.

Ainda que assim seja, porventura sempre incerta a história, ao abordar-se as prisões políticas e as suas memórias, o esquecimento ocupado de silêncios ou vazado em subterfúgios, em tempo algum, poderá espaldear-se em quaisquer margens que admitam burlar a História. Rememorar aqueles que lutaram pela nossa Liberdade, que de miseráveis sofreram facínoras torturas, e deles foram atormentados e assassinados, é recuperar o que nunca pode ser esquecido, o que em tempo nenhum deve, por decência, ser calado na voz da História. O contrário, mais do que uma desmedida injustiça, e que a todos rebaixa, o que carrega esse avesso é, tão-somente, a nossa vergonha coletiva.

domingo, novembro 13, 2016

A (DES)ESPERANÇA QUE SE ABRIGA EM NOVAS MENTIRAS

 

A desesperança nem sempre vive desacompanhada. Quando só, apenas o recôndito silêncio a assiste. Na circunstância possível de se revelar, essa descrença, amiúde, elege o azedume. Daí, mais do que um tempo exato, o momento torna-se um adensado enfurecido de beata repulsa. Um impulsivo absoluto que enturva equilíbrios e enjeita dialéticas. Nos abrumados sonhos então recriados, oferta-se destinos improváveis. Ainda assim, acasos que sorriem perante a possível inanidade. O prometedor ontológico dos populismos, sagaz abecê das novas mentiras. Trump não encenou, apenas mostrou que a História se pode voltar a fazer.

quarta-feira, novembro 09, 2016

CITAÇÃO

 

Como a teologia, a metafísica tem sido acusada de às dificuldades que não sabe resolver disfarçá-las pelo prestígio das frases pomposas, de Sampaio Bruno em A Ideia de Deus.

terça-feira, novembro 01, 2016

UMA EXALTAÇÃO AO “NÃO” TRANSGRESSIVO

 

Como diz o poeta, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz Não…

Valter Hugo Mãe (VHM) decidiu no seu mais recente livro, Homens imprudentemente Poéticos, ausentar do seu escrito a palavra não. De acordo com o texto de João Céu e Silva[1], dado que o cenário do romance é passado no Japão, VHM esforça-se em respeitar a impropriedade localizada da palavra. Deste modo, evita correr o risco de falsear a relação cerimoniosa que os japoneses correntemente estabelecem uns com os outros. Igualmente, VHM lembra, em axiomático contraste, que na nossa cultura discursiva o não parece inevitável, alongando-se amiúde o seu uso aos limites do diálogo.

Acolhendo eu esta contumácia, quiçá deveras espalhada, diria que ela não se me apresenta, em si, como uma fraqueza. Na minha opinião, este meu arrastado e desafiado sentir aconselha-me a um entendimento diverso. O não, na sua variedade de usos e significações, obriga-nos a um duro e exigente exercício de liberdade e inteligência. Sobretudo, neste tempo de notório trânsito de uma conformação social disciplinante para uma outra de frívola permissividade. Em especial, no tempo presente onde a vigilância, apesar de falsamente ausente, estabelece com vigor e arteirice a rude diligência da sua industriosa destinação.

Vive-se uma época de uma turbulência feita de convergências diversas. Ainda assim, apesar das diferenças, estreitamente escoradas nos interesses de uma ideologia capitalista homicida e nas suas idiossincrasias alienantes. Não se me mostra, pois, ousado sustentar que os múltiplos sentidos do não se entretecem, numa (des)ordem crescente e mistificadora, de armadilhas compulsivas e/ou de vínculos moralistas, notadamente geradoras de desorientadas e doentias euritmias. Como me aparenta inegável, feitas estas de muitos e distintos nãos. Alguns destes silenciosos e enraizados em aberrantes heranças ou em abstrações obsoletas.

Assim sendo, importa alcançar onde está afinal o Não aos nãos que destroem a vida e a sua dignidade. Ao limitá-la e ao desvirtuá-la, esses nãos desfazem a própria vida e, mais do que isso, implacavelmente nulificam a dignidade do ser humano. A liberdade, sendo uma construção humana, os seus alicerces dever-se-ão assentar nos caboucos de uma primordial descrença. Citando David Cooper[2], a descrença na inevitabilidade das coisas que nos oprimem. Postulo, então, que é dessa descrença que germina o Não que nega os nãos que assistem à sujeição, à injustiça e à arbitrariedade. Ou seja, o Não transgressivo de resistência à opressão e à dominação.


[1] No Diário de Notícias de 31 de outubro de 2016.

[2] Em ALINGUAGEM DA LOUCURA.

sábado, outubro 29, 2016

A JORNA DO DITO BANQUEIRO ANARQUISTA

 

O draconiano mercado tudo trafica, tudo subordina, e até mesmo o absurdo se transaciona. Torna-se casa de câmbio, lugar súpero no qual se opera o valor de troca dos homens. Muitos, diminuídos a ser valor produtivo e manadeiros de uma mais-valia extraível. Outros, igualmente numerosos, contas feitas, nada sendo, acrescentam uma maçada afinal utilizável. Neste pronunciado esboço, remanescem uns poucos. Gente providencial e qualificada que, agadanhando o frutuoso devido, com competência reconhecida, orientam a arrumação acertada dos demais merecimentos. Não só materiais como, principalmente, os simbólicos.

Daí, ser neste espaço subjetivo que a tagarelice de uma linhagem conceptual e argumentativa situa as suas necessitantes e pautadas arquiteturas que mantêm, reforçam e legitimam a batota social e económica. Ou, melhor dizendo, encenam as vantajosas patranhas que aclimam as gentes às obscenas desigualdades que perpetuam uma estirpe de moralidade, em que o pecado da injusta arbitrariedade, não só é absolvido, como se apresenta curandeiro. Conforme se comprova, discorrendo pela via láctea recortada pelas altas nuvens do rigor, da isenção e da juridicidade. Chover no molhado é, certamente, desperdício. Isto dito, passemos então à frente…

domingo, outubro 23, 2016

DIAS NÃO

 

Estou em dia não. Aliás, instantes e circunstâncias que se refazem a contragosto uma vez que tenho vindo, não tanto por me ter desapossado daqueles recursos coloquiais que me permitiam, tempos atrás, assegurar conversas obstinadamente recomeçadas, mas porque me sinto inábil em encenar dramaturgias simpáticas e estimulantes que animem as pessoas a uma cavaqueira prevaricadora de ramerrames enfastiosos que consomem as nossas ordenadas vidas quotidianas. Eis uma confissão forte, com certeza indelicada, mas que apenas tem por propósito admitir a esperança de uma simples, quiçá necessária, transgressão apta a um questionamento saudável das nossas transitórias certezas. No essencial, uma transgressão instruída e preparada para cuidar do avesso que o hábito, a fachada e a aparência nos acobertam. Tão-só.

sábado, outubro 22, 2016

A SIMPATIA NEM SEMPRE RIMA

 

A minha última postagem, faz-me retornar hoje a um certo argumentário tendo como tónica a anotação aí citada das boas maneiras ou, se preferirem, dos bons modos. Com o propósito de trazer, desafiando consciências disponíveis, uma atenção crítica para a arrogância e a presunção dos signos que nelas se inscrevem e, acima de tudo, convocar um olhar analítico e perscrutador para os arbítrios protocolares que, de modo valorativo, se auto creditam distintos. Em peculiar, no compartilhado mundo das castas assentadas na metagaláxia reinante e naquele outro disputativo cosmos proporcionado por uma atontada parentela que lhe é confinante. Este, lamentavelmente pateta e patético, figurando o seu comovente idiotismo de assemelhação na mimética e notória contrafação carnavalesca.

Em jeito introdutório, falemos de elegância, uma ideia simbolicamente muito apreciada pelo atributo que lhe é concedido graças a um certo imaginário induzido pela invencionice da catalogação social. O reconhecimento desmedido e incondicional da boa educação daí provindo e que acompanha a graduação de tal seriação, alenta, em si, uma suposta lógica de superioridade que naturalmente faz o seu pretensioso percurso. Todavia, no âmbito das boas maneiras, e da elegância a elas associada, do meu ponto de vista, duas perspetivas se fitam. Num extremo, temos uma elegância proeminente que se filia e persegue, na sua austera aparência, a simbologia litúrgica dos distinguidos; no outro, e em clara discordância, uma distinta elegância instruída na genuína empatia da consideração e da reputação pelo Outro, por esse outro que é sentido, na sua raiz, como um outro-eu.

As relações humanas de sociabilidade, podendo-se aproximar daqueles limites, manifestamente se localizam no cultural registo da contradição caminhante. Porém, parece-me óbvio que a autenticidade da empatia, no ato espontâneo de se afastar do pavoneio que enfeitiça a primeira, elegante e discretamente, condena os múltiplos disfarces sociais que levam ao enganoso jogo simbólico das superioridades, das dominações e das servidões. Entre o espaço do pensar e do dizer posiciona-se um campo de subjetividade onde muitas enormidades acontecem e, sobretudo, as mentiras da significação se produzem. As maneiras, as boas maneiras protocolares, desligadas dos seus contextos concretos, modelam comunicações que escapam às suas objetivas e fundadas determinações. Ou seja, e em tradução livre, rematando em concordância com José Barata Moura; a mentira não é apenas a fáctica. A mentira, ou melhor, a mendacidade não utiliza apenas a língua e a sua voz. Utiliza, e bem, o corpo todo. Inclusive, a dissimulação que o conforma.

terça-feira, outubro 18, 2016

UMA ARTE SUPERIOR DE TER RAZÃO

 

Foste desbragado na linguagem, descortês ou simplesmente antipático, por isso, perdeste a razão. Se a perdeste é por que a tinhas, ou tinhas a forte probabilidade de a ter. Ficaste sem ela, a razão ou a esperança de a ter. Assim sendo, a tua razão nulificou-se subsumida pela avidez esganada da tua expressividade. Imprópria, ou tão-só inconveniente. Decerto, usaste-a desajeitadamente. Sem dúvida descuidaste a ciência das boas maneiras. No essencial, desdenhaste essa arte superior de ter razão. Afinal não a estudaste, alcançaste ou praticaste. Não entendes, mas, certamente, tornar-te-ias destro na dócil e obediente agilidade de obteres, também, razão quando não a mereces. O que tu perdes neste tempo de consensos voláteis…

domingo, outubro 16, 2016

PELAS VIELAS DO PENSAR

 

E se eu me dispusesse vadiar ociosamente Pelas Vielas do Pensar, procurando resgatar uma nostálgica gandaia perdida, da qual guardo profundas lembranças? Na verdade, memórias que ardem no apático cinzentismo desta entorpecida e vigorante ordem de utilidade social, onde os idosos se tornam refugo e aos velhos loucos se requer cativeiro. Pois, o pouco que me parece restar faz-se-me vida e neste fazer-se atrevido, além do mais divertido, trago comigo um sonho de homem que me disponho, sem limites, ainda algum dia ser. Seguramente mais determinado pelo peso da idade e das circunstâncias, talvez com menos força para determinar utópicos futuros, esse sonho, infindavelmente legítimo de ainda me determinar, desafia-me a liberdade, ao longo dos tempos sempre vigiada, do uso ousado da lucidez que hoje em dia me acompanha, provavelmente mais madura, mas certamente deveras pungida e, talvez por isso, capaz de fundada insubmissão e desobediência à docilidade parva, e por isso patológica, de muitas das desnaturadas criações corrediças do ingénuo e medroso senso comum.

Esclareci tarde, porém ainda a tempo, que a responsabilidade não se funda em astuciosas abstrações, notadamente na circularidade acumpliciada e temerosa que ela projeta com escora nas imperfeições prescritas do dever e da obediência, mormente vindos do poder e da culpa. Tive, talvez um dia finalmente bem-afortunado, dia feito de muitos dias pesarosos, que enxerguei a liberdade, aquela da raiz da responsabilidade inteira, para além da tal frívola, a outra que não se pode reconhecer por completo quando se fica pela tranquila negação, ou sempre que a insurgência, desobrigada da razão, reage caprichosamente ou, ainda, nos numerosos instantes em se que decide sobre o que somente é facultado. Apoiado na ideia da dignidade como fundamento ontológico da condição humana[i] e tendo ela despertado em mim um sentido irrefutável de humanidade, pressenti vir a achar no labirinto das vielas do pensar, por vezes há muito abandonadas ou esquecidas, a presença vivificante da Liberdade na tarefa entranhável da responsabilização. Ou seja, no que fazer para cuidar e contribuir, através da palavra consciente, embora aventurosa e informal, para a dignidade do fazer-se humano. Este será o meu próximo roteiro. Egoísta? Comodista? Talvez. Mas será a minha improtelável e urgente viagem da escrevedura.


[i] Proposta de Fernando Evangelista Bastos

quarta-feira, julho 13, 2016

TORNAR CLARO O QUE É UM TANTO OU QUANTO OBSCURO

 

A 30 de maio, faz mês e meio, fiz a minha última postagem. As leituras, que consomem (e bem) muito do meu tempo, de facto, entusiasmam-me pois facultam-me oportunas e proveitosas vitalidades mediante a benfazeja inquietude que elas me espertam. Apesar disso, o desassossego daí advindo apenas me tem levado ao constringente perscrutar de novas leituras e não à escrita sofrida capaz de amanhar e alicerçar as reflexões que busco. Tudo isto na exploração de ressignificar um passado e de viver um presente que, embora tardio, seja capaz de expandir horizontes e esperançar futuro.

Certamente por inépcia minha, nessa busca pessoal de sentidos que se prestem valorosos, confesso, nada de verdadeiramente novo alcanço que se me ofereça inspirador e, como tal, tenha o dom de acicatar este meu pachorrento e fleumático humor quotidiano. Daí, uma insistente preguiça teima em escolher a despreocupada (embora desafiante) indagação, encanzinada que está a optação pela escarpada rota suscitadora de ideias, despretensiosas certamente, mas que possam valer neste tempo saturado de lavas feitas de ativos tóxicos diversos. A(s) crise(s) múltiplas fazem o seu percurso com uma vagareza acertada na devida cadência da naturalização que a própria encalça, arquitetando com o tempo a perceção que o dramático está para além do controlo humano, acobertando a responsabilidade da ação política que a determina.

Sendo assim, nesta Europa política que vai martirizando os mais fracos, tendo como referência uma lógica neoliberal de integração capitalista, quis a ironia do destino que Portugal se tenha mostrado suficientemente forte para ser, nesta matéria do futebol, o melhor da União. Ateísta que sou, atrevo-me a dizer, contrariando o próprio, que a fé de Fernando Santos valeu provavelmente pouco ou mesmo nada. Caso contrário, o seu Deus teria cometido não só uma injustiça, privilegiando os seus santos e as suas preces, como o nosso merecimento de campeões seria fortemente estorcegado porque beliscada no seu talento. Sem rebuço o digo, no lugar de Deus coloco o próprio treinador (e este em especial), os jogadores e todos os demais que concorreram para o todo dos factos que determinou a vitória dos portugueses.

Eu sei que seria cómodo, deferente e igualmente mais fácil, inteirar o porquê do sucesso agradecendo o achego de Deus. Por mim, no entanto, e apesar da dificuldade da resposta, agrada-me quem prefira o como ao porquê, esgravatando e desnudando o conjunto dos factos (re)conhecidos, analisando a operacionalidade decursiva da relação entre eles e aferir da responsabilidade individual e coletiva dos intervenientes na dinâmica circunstancial dos acontecimentos. O que aconteceu, aconteceu e não há volta a dar. Não há lugar para mistérios nem tão pouco para sentidos insondáveis. As soluções encontradas e as situações daí ocorridas não são do domínio da metafísica nem de um qualquer panteísmo de última hora. Em síntese, não neguemos a ação e a responsabilidade humana como vão fazendo os autores da lenta crise que nos sufoca. Parabéns a Portugal e a todos aqueles que fizeram as coisas acontecer. Afinal, o fazer as coisas acontecer, engenha a lição que merece ser utilmente assinalada e sublinhada.

segunda-feira, maio 30, 2016

PROVOCAÇÕES

 
“Escolho os meus amigos pela pupila”

GERINGONÇA, UMA UTOPIA?

 

Geringonça, uma utopia? Se é certo que a(s) utopia(s), o que não sendo podem via a ser, elas ocorrem, com toda certeza, de amargosas circunstâncias históricas que nos inspiram a busca de um tempo e lugar diferentes. O certo, essa irremissível evidência, é a amargura do presente com a contrastante possibilidade do aprazimento que só o futuro pode acolher. Esta é a marcha inevitável do homem que, escapando à alienação do medo, prefere o fracasso à desistência de ser corajosamente humano.

quinta-feira, maio 19, 2016

O PROTOCOLO DA INCOMUNICAÇÃO

 

Gostava de ser um bom comunicador, mas nem sempre o consigo ser. Reconheço as minhas imperfeições. Sem qualquer consumição moral, confesso que as coloquiais máculas se inveteram na incauta têmpera da minha safada emoção, que me destinando muito da minha amena vida, de igual modo, é bem capaz, também, de a atraiçoar. Desse nervo cúmplice, fogoso demais por vezes, ainda assim dele tiro a vantagem sagaz da matreirice e, desta, a ardente e sadia energia que, em circunstâncias bem-fadadas, me fazem escapar à inútil tarefa da moderação ou ao indolente corretismo da polidez. Pois é. Mas comunicar, esse salubre e benéfico pôr em comum, pressupõe a ousadia da liberdade, a dádiva da disponibilidade e o leal empenho na partilha perspícua desse comum em que se procura adentrar, ou em que se esforça por concertar ou, tão-só, em que se dirime delicadas fissuras, afinal provavelmente irremovíveis. Esta sinopse marcada pelo dissemelhante, em que o comum todavia se arruma, é um desafio que aprecio, que me desperta e me entusiasma, não obstante os caprichos dessa bravia emoção antes aludida. Azucrina-me, isso sim, a cátedra da unidirecionalidade que sufoca o pensamento do outro, a arenga que subestima o diverso e o discrepante que intenta nulificar o exercício do diálogo e da crítica. Deste jeito funciona o suposto poder do algoritmo de alguma convencida sabença, de uma certa empáfia social arrogante, que sem pudor manobra a fala do recurso à estolidez que aferrolha horizontes e atravanca quaisquer estendeduras e escavações. Mais trivial ainda é o uso do método da simplificada e obscura forma de extremar o colóquio, despachando célere movimentos de argumentação embaraçosa e, em consequência, e desde logo, sepultando algo que, mesmo exordiando viva e fortemente, nasce já condenado a ser defunto prematuro. De facto, assim me parece ser e acontecer.

quarta-feira, maio 11, 2016

A RETÓRICA DA IMPOSTURICE E DA DRAMATIZAÇÃO

 

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Ao abrigo dos Gigantes da net que atacam a liberdade de imprensa, a 4 de maio o Correio da Manhã, como nota relevante de uma conformada Conferência, maldizia o uso abusivo de conteúdos produzidos por alguns nupérrimos meios de comunicação, em especial esses hercúleos do Google e do Facebook. O argumento fulcral enganchava-se na fuga de publicidade (e, como tal, de pecúlio) que resvalavam desmerecidamente para tais ogres gulosos.

Há muito tempo que pouco ou nada espero da corrigibilidade ética do capitalismo, das suas lógicas e dinâmicas, cujo único e absoluto valor é o capital. Daí, tudo isto se me afigura como uma rixa de convizinhos que se engalfinham por uma talhada de terra que, nos tempos de hoje, se torna em uma eficiente herdade mediadora da (des)ordem financeira no poder, malsinando perceções cognitivas esculpidas a uma forma de consciência onde a tacanha resignação é exercitada a esmoer a humana vitalidade da convicção.

O senhor diretor do CM/CMTV, de nome Octávio Ribeiro, diz o seu jornal, não deixou cinicamente de alertar para os perigos de uma democracia sem jornalismo. Com certeza compadecido e naturalmente bem consciente dos problemas e do papel que lhe concerne, ou seja, dos dinheiros que se esgueiram e da ideologia vazia que mercadeja, facto que bem caracteriza a admirável lata do homem e do seu pasquim.

A sua indiferença social expressa é ocupada por tiros, malandrices e facadas e por outros equivalentes como coscuvilhices intrusivas e patéticas. A sua arrogância é almofadada pelos desordeiros do profícuo poder através da denúncia mercenária de outros que lhe sejam desvantajosos. O caos, a violência e o medo constituem as glândulas reprodutoras do seu entusiasmo, expropriador da crítica social séria, significativa e fundamentada. Em síntese, o seu problema é vender um evangelo diário que sirva os interesses obscuros que se escondem por de trás deste dramático modelo social e cultural regressivo dos dias de hoje. Em síntese, um desabafo; tenha pudor moral e intelectual, senhor Octávio…

segunda-feira, maio 02, 2016

A LEGITIMIDADE DOS CONSENSOS

 

p_19_11_2005[1][1]A ideia de consenso, ao longo da história, transitou alucinante sempre (ou quase sempre) pelos arbítrios da crença, da fé, da verdade e do senso comum. Igualmente sempre (ou quase sempre), silenciou o seu uso obstinado em acoitar da crítica os entendimentos ou preconceitos decididos pelos interesses difusos dos diferentes poderes, que sempre (ou quase sempre) foram exibidos como universalmente verdadeiros. A conquista do consenso foi assim, sempre (ou quase sempre), admitida como uma condição impreterível das ambições dos diferentes poderes, em particular do poder político.

Contudo, este poder político, hoje encravado num contexto globalizado de financeirização da economia e submetido à predominância da civilização mediática, trocou (ou viu-se obrigado a trocar) o espaço público da cidadania democrática pelo ambiente do consumo teatral da oferta política e das suas figuras de proa ou cortesãos de faxina. Assim sendo, alcançar o consenso, como condição para chegar ao poder, torna-se hoje uma arte, pressupondo atores habilidosos e encenadores imaginativos e, principalmente, o que não é de somenos importância, acesso ao palco das representações. A cidadania desvanece-se, é certo, mas o espetáculo anima-se e o aplauso cria finalmente o consenso íntimo desejado. Embora desvalido, politicamente poderoso como convém.

Imagem retirada DAQUI

domingo, abril 17, 2016

FOUCAULT E LACAN

 

"Lacan, o 'libertador' da Psicanálise"

michel-foucaultLacan não exercia nenhum poder institucional. Os que o escutavam queriam exatamente escutá-lo. Ele não aterrorizava senão aqueles que tinham medo. A influência que exercemos não pode nunca ser um poder que impomos.

Michel Foucault, in: Ditos e Escritos I

Post publicado em Psicanaliselacaniana.blogspot.pt/

domingo, abril 10, 2016

ESCREVE, AMIGO

 

michael_cheval_1_ak_thumbÉs um daqueles amigos que muito admiro, permanentemente instigado pelo desafio do escuro, daquele impreciso que te desconcerta, te parece desalinhado, mas que se te apresenta livre, sedutor e acertadamente indisciplinado. Mareias por águas bravias e outras dóceis e domésticas como se a vida não desnudasse o contraste. Curiosamente, respaldas-te naquelas e vives azedado no quotidiano das últimas. Não obstante, é nestas que refazes a saudável vitalidade e energia da tua fúria e encontras o irónico sossego do arrimo que te permite viver a vida que sabes escapar-te.

Por isso, tens de escrever para dar forma ao informe experimentado que te cabe no universo dessa infinidade de possíveis mundos e modos de vida, dando vida aos restos exclusos da desenxabida mas cuidada cena do tartufismo nomeável. Muda de palco e encena a tua história. Dá voz aos silêncios que tão bem soubeste guardar ao longo dos tempos. Sei que sabes escutar os murmúrios desses destroços empilhados e, mais do que escutar, perceber a sua linguagem e inventar as palavras com que o teu imaginário enlaçará o real, que nunca se apreende por inteiro, e o simbólico, que sempre nos surge incapaz. Escreve, amigo. Com nobreza, se fores capaz sem o calor embriagado da inquietação ou, com grandeza, escusando o afável aliciamento do cativeiro. 

Imagem retirada DAQUI

domingo, abril 03, 2016

O VALOR DO NÃO NA OBRA DO SIM À INDIGNAÇÃO

 

xadrez_thumb[3]Tristemente nem sempre a razão da indignação se faz ouvir perante o inadmissível. Diante desse imperdoável que abala, a dor forma-se no nosso Ser. O Ser e o ter vinculam-se a qualidades diferentes e visceralmente distintas. Importa separar. O Ser pode-nos levar à indignação, o ter soma-lhe contrariamente a inveja que alenta a avidez. A indignação firma-se na defesa do que se É. Ao invés, a cobiça radica no que não se goza o que outro possui. A indignação busca o reconhecimento que perfilhamos como vital. A sofreguidão, pelo contrário, desvia-se para a degenerescência por entre imediatas adiaforias.

Deste jeito, ao perder-se a paciência, só nos resta o movimento humano da impaciência. Agitado pela voz da indignação, assim se recusa (e bem) a ordem silenciosa da avidez. A invídia não nos trará certamente novos destinos, mas apenas os reiterados ressentidos da passiva inação ou da boçal cupidez. Amanhemos, assim, o vigor diligente da indignação escapando à madraça alienação das cobiças desmedidas ou das frias invejazinhas. Recusemos o espetáculo opressivo do ter, desse ter que nos enfeitiça, valorizando a consciência que naturalmente crescerá com a razão de Ser nesse movimento de recusa e de indignação. Em nome de um outro ter, um ter-valor que nos ultrapasse e se possa estender ao conjunto dos outros.

Imagem retirada DAQUI

quarta-feira, março 30, 2016

PELOS CAMINHOS SOMBRIOS DA DEMOCRACIA

 

goya_negrasA Democracia anuncia-se uma permanente e incansável sintaxe social e humana, ainda que, a todo o momento, inacabada e desafiada. Diferentemente, a vida do comum dos seus artífices – que a Ela destinam princípios, regras e organização – irrompe, não obstante, com atributos que lhes facultam assombrosas e congénitas reações ao seu viver primordial. Protegidos, nascem presenteados com a inestimável e inerente salvaguarda das suas preservações sem que as suas consciências delas se ocupem.

Todavia, esses naturais e provindos recursos, afrentados com vontades conscientes discrepantes, exibem a sua dificuldade, ou mesmo inépcia, na obra comunitária de acerto dos privados desejos e sentimentos. O instintivo dá espaço ao intencional (próprio e comum) e este assim se torna desígnio da obra humana e moral do convencional. À sobrevivência básica segue-se a inevitabilidade natural do ajuste da vida futura. Os problemas singulares, ao fazerem-se sociais, com eles se entrelaçam na sua multiplicidade diversa. Bem mais tarde, concomitantemente bestificados e maravilhados, apercebemo-nos circundados pela improvável e contrastante regência do comportamento social. Desejando certamente, embora confusos, a desejável homeostasia de um mandato que realize o humano. Desejando, enfim, uma Democracia que oportunize a Vida das pessoas.

Mas as convenções chamadas mercados, ao longo dos tempos, converteram-se numa ideia abarcante de suposta dignidade e, sobretudo por isso, desordenadamente aventureira. A negação pertinaz de outras possibilidades e ideações de diferentes modos de vida consolidou a sua ilusória e insondável primazia. O neoliberalismo de que se fala distanciou-se da sua exiguidade explicativa económica e fez-se ao caminho das hegemonias. Tramou pressupostos, arquitetou valores e tornou-se sentido civilizador único. Sem alternativas, autoritário e colonizador. Em suma, fascistoide servindo-se de sombrios caminhos de uma improfícua democracia onde o humano se desperdiça e a humanidade se aniquila.

sábado, março 19, 2016

NÓS, PENSANDO E AGINDO COMPROMETIDOS

 

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Parafraseando HEGEL…

 

 

 

 

Temos de não acreditar que as perguntas da nossa consciência, sobre os problemas do mundo atual, se encontram respondidos pelos Antigos. 

Em conformidade, pergunto eu, quem deve responder?

terça-feira, março 15, 2016

A ALEGRIA PARTILHA-SE, A DOR RARAMENTE

 

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“A obra de Rouault “Rosto de Palhaço” (1948) se encontra atualmente exposta no Museum of Fine Arts, em Boston, Estados Unidos. O retrato do palhaço assume no quadro deste pintor uma projeção épica, mostrando que ao contrário do que o artista que é o palhaço deixa transparecer, ele também sente dor. O pintor concentra sua atenção no rosto do retratado, tentando captar de todas as formas possíveis essa dor, através de suas tintas aquarelas. Os traços expressionistas estão presentes na forma disforme e caricata que o rosto assume, com traços grosseiros e fortes, expressando além da dor, certa raiva e angustia do palhaço.” (http://vanguardaexpressionista.blogspot.pt/)

 

 

José Rentes de Carvalho (JRC), citado por João Céu e Silva[1], sobre o seu livro O Meças, diz:

 

O que conto é o filtrar de uma longa sequência de situações, pois tenho uma boa capacidade de observar e nada mais faço na vida do que estar atento ao que acontece. Vou picando aqui e além tiques das pessoas, maneiras de ser, frases que dizem e atitudes que têm. Podia ter sido polícia porque escapa-me muito pouco. Este Meças é uma construção de situações, sentimentos e acontecimentos vistos ao longo de um determinado período de tempo. É o amalgamar de muitas situações numa única personagem. É a condição humana.

E esclarece:

 

Não conheço ninguém assim, mas sim muitas pessoas que têm uma boa parte dessa violência dentro de si. Tenho-as visto explodir por questões minúsculas e pergunto-me como é que um sujeito estoura daquela maneira se o motivo é tão diminuto. A resposta é: tem muita raiva acumulada desde que nasceu.

Estas duas passagens cativaram-me à leitura, em breve, de O Meças. Deleito-me, tal-qualmente JRC, a espiar trejeitos, a dissecar modos de ser, a sondar o que se diz e a botar acidez, quanto baste, à tartufice da neutra e sensaborona linguagem. Em contrapartida, com a singularidade de ser um tipo emocionalmente reativo, senti-me alfinetado quando o autor alude as feiosas e descompassadas explosões promanadas da raiva acumulada, sobretudo armazenada desde o berço.

Reconhecendo o labirintar do pensamento, umas vezes mais sólido, outras menos vigoroso pelo efeito do humano envolvimento, vejo-me, nessa reversão às raízes, numa série de encruzilhadas onde o caminho da razão se deixou atalhar, em momentos mais que muitos, pelos inúmeros e intensos trilhos dos afetos e das emoções. Para a minha idade, acresce um tempo longo de mais e exageradamente fundo para me procurar, andarilhando pelo O erro de Descartes Ao Encontro de Espinosa.

Porém, quatro enastrados significantes (condição humana, violência dentro de si, questões minúsculas e raiva acumulada) em dois curtos excertos é obra, embora controversa, sempre estimulante para excogitar sobre a mediação emocional, sobretudo quando nos pomos no âmago do achado. No essencial, como sentir, para mim, é estar implicado, é avaliar as aproximações às coisas e às pessoas, é orientar-me nas relações inevitáveis com o todo da vida, é nele – nesse sentir - que o pensamento se me faz movimento e me apega ao mundo dos afetos e das emoções.

Para tal, o dualismo cartesiano da mente e do corpo, do físico e do psíquico, da matéria e do pensamento, não me serve. É uma possibilidade que não me protege nessa vontade de manter irrequieta e entusiasmada a minha capacidade de reagir e de me indignar na busca esgrimida de uma vida mais plena e satisfatória. Com alguma raiva, talvez. Mas certamente entranhada em muita repugnância e tristeza. Uma dor de alma que a reflexão e o tempo não alcançaram civilizar...


[1] Artigo interessante que vale a pena ler (DN de 12 de março de 2016).

domingo, março 13, 2016

ACONTECE ENTREVISTA

 

De PEDRO PAIXÃO com HELENA SACADURA CABRAL

Um momento introdutório com FANCISCO JOSÉ VIEGAS, entrevista publicada em agosto de 2013. Um homem singular, inteligente, culto e desarmante. Aqui deixo o registo.

“Talvez por causa da doença, não tive uma vida muito fácil mas não a trocava por mais nenhuma. Apesar de ter sofrido tanto, tenho muito a agradecer à minha doença, porque foi por causa da minha doença que me doutorei, que escrevi os livros que escrevi, tive as paixões que tive. Há um elemento espiritual muito forte. É possível que Jesus Cristo tenha sido bipolar. Uma pessoa vai ver no Novo Testamento, as mudanças de humor dele são imensas e muito fortes. Isto eu nunca ouvi em lado nenhum, isto é uma tese nova.”
(Pedro Paixão, 2009, Grande Reportagem SIC: Mentes Inquietas)

Nota – testemunhe apenas se estiver disponível para ser inquietado.

 

quinta-feira, março 10, 2016

O DIFÍCIL PARA CADA PORTUGUÊS NÃO É SÊ-LO; É COMPREENDER-SE

Citação de Miguel Torga (Diário XV, 1987), retirado do DN de hoje.

transferirSéculo XX. Parte dele, por obra da herança que recebemos, prestou-se à catarse do intelectualícidio amargado. Estado, Igreja e Universidade, em celestial enredo com a PIDE/PVDE, tiranizou a crítica política e escarmentou os exegetas desataviados. Comparável, em matéria de acossamento, só o Tribunal do Santo Ofício, no século XVI.

Hoje, no século XXI, às instituições incriminadas, embora num frágil quadro democrático, reuniu-se uma outra vigorosa, de contornos mais indefiníveis, mas não menos eficiente. Os media, que outrora ajudaram à fundação da democracia, exibem-se hoje como um dos seu principais fatores de degradação. Os interesses gerais descobriram-se trocados por outros, criados pelos mercados e seus apensos publicitários e políticos.

A função crítica desvaneceu-se e a perversa influência acomodou-se no lugar desocupado. De cidadãos resta-nos a condição de alorpados consumidores, eleitores e clientes. Chega Marcelo com um sedutor discurso de consenso. À volta da Constituição e sem aparentes indecisões sobre o Governo “à esquerda”. De opinante galga à suma instância do político. O tempo dirá como ele, Presidente, jogará neste campo minado de convergência entre a opinião e a política.

terça-feira, março 08, 2016

ULTIMATOS, HOSTILIDADES E POUCAS-VERGONHAS

 

susanna_e_os_ancic3b5esPedro Tadeu listou as mentiras e à Maria Luís Albuquerque acusou-a de mentirosa[1]. Das duas uma; ou a Maria Luís mentiu e é, com efeito, uma despudorada aldrabona, ou Pedro Tadeu, ofendendo a ex-ministra, incorre em conduta criminosa por calúnia. Não obstante, no plano da obviedade moral e cívica, aprovo a ideia do jornalista Tadeu de que a incompatibilidade de Maria Luís não é com a vida entre os abutres da finança, mas, sim, com a vida política sã. Mas como a Lei e a Moral, nos tempos que correm, não dialogam politicamente, tudo é possível.

Dizem os historiadores que o Ultimato inglês (1890) representou um sinal vexatório e humilhante para povo português, com consequências políticas e culturais consideráveis. O que pode esta referência histórica tem a ver com a trapalhada das presumíveis mentiras e das eventuais calúnias? É que as linhagens hoje são outras, de um outro universo, não baseadas na tradição histórica da pretérita e paroquial aristocracia, dando o caciquismo rural lugar à caciquia financeira da qual Maria Luís é uma ultramontana, certa e teologicamente submissa. Para mim, o que ela vai ganhar ou não, pouco ou nada significa. O que me importa significar é esse nó simbólico à entronização histórica de um outro aviltante Ultimato, aquele que igualmente nos apequena, o Ultimato continuado dos dissolutos delírios do eufemístico Mercado. E aí, Maria Luísa já há muito se definiu.


[1] No seu artigo de opinião no DN de hoje.

Imagem retirada DAQUI

segunda-feira, março 07, 2016

NÃO SE CONSEGUE CONVENCER UM RATO DE QUE UM GATO PODE TRAZER BOA SORTE

 

08aPersiste em mim aquela inocência infantil que me leva a esperar que toda a gente tenha um natural sentido do certo e do errado. A esta candura improvável não se acerca, estou certo, o sublime das morais absolutas. Para mim, tudo é (ou parece ser) simples e cândido. O bem, aperfeiçoa as vidas; o mal, perturba as suas existências. De certeza certa estou que os deuses teimam em tecer a urdidura das nossas histórias e a desnaturar o genuíno das nossas disposições. Ao ingénito cerzem eles, apesar da bondade dos gestos, sempre uma outra ordem sem a arte da justiça e o engenho da compreensão. Perante o reiterado revés, rompe de ora em diante a inquietude das minhas determinações, impelida por uma vontade de renascer, na busca das fontes originárias, ao que parece, esquecidas ou mesmo perdidas. Sem messianismos redentores nem sebastianismos proféticos e promissores. Sem deuses. Apenas intentando encontrar a liberdade e as sociabilidades que me fazem sorrir na intimidade que entrelaça e abraça o humano e que nesse meu estar com os outros, me faz sentir verdadeiramente gente e, seguramente, um tipo mais feliz.

 

NOTA – O título do post é da autoria de Picasso assim como o quadro. Ambos retirados DAQUI.

domingo, março 06, 2016

ESGRAVATA-SE UM PONTO DE FUGA

 

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Quando é que a Política funda uma racionalidade no ventre desta desordem de igrejinhas? Uma Política capaz de se livrar  desse angustiante e imorredouro paliativo que, deixando intacta a ideia do mal e da trapaça, nele inscreve e perpetua o artifício que a sanciona?

quarta-feira, março 02, 2016

AO SALTAR MUROS, PODE-SE SEMPRE CAIR

 

João Pedro Marques escreve no DN[1]:


Conta-se que certo dia uma jovem mãe muito preocupada com eventuais erros que pudesse vir a cometer na educação do seu filho teria perguntado ao pai da psicanálise como deveria proceder para não traumatizar a criança. Freud ter-lhe-á respondido: “Não quer traumatizar o seu filho? Não o eduque.”

Ao ler este excerto, de imediato, pensei na afamada expressão lacaniana estádio do espelho. Mais do que explorar este significante como uma natural fase de desenvolvimento, interessante é considerar a metáfora que com ela segue junto. Ou seja, o estádio como um campo onde se joga o jogo de ver e ser visto e do qual o resultado é a imagem própria (aqui, da criança) que se vai estruturando. O surpreendente deste jogo é que para se ganhar tem de se perder. A constituição do eu, ao exigir a perda da indistinção entre dentro (o eu) e fora (o mundo), ganha um corpo que limita o interior do exterior. É óbvio que tudo isto acontece num lugar onde o Outro se envolve também nesse jogo de olhares e assim oportuniza o movimento das identificações, deixando para trás o tempo das imitações. Sendo assim, penso que educar passa por estar sempre presente neste outro tempo compósito em que a criança, ou mesmo o jovem, se abalança na objetivação das identificações e, através da linguagem, vai crescendo na sua função de sujeito. Não obstante, com a condição de não distorcer, com dramatismos escusados, a já de si dura experiência da existência educativa.

[1] No seu artigo de opinião “Freud e o rei Paipai”, de 1 de março de 2016.

terça-feira, março 01, 2016

A AMIZADE, AFINIDADES E SUPERFICIALIDADES

 

carlseilerNa amizade não busco a mansidão. A amizade é vida, é experiência, é existência. Não é uma mera categoria nem propriedade ou qualidade de alguém. A amizade é relação, é proximidade genuína e livre. Não procuro com a amizade reciprocidades para a confirmar. Não idealizo, também, solubilidades que encobertem e desvaneçam equívocos entre a amizade que se aviva e o eu consciente que a deseja. Decerto postulo um toque de intimidade sem que a intimidade inquiete a verdade que me desperta. Aclimada às artes da existência, a um cuidado de si, sinto que a amizade não se pode enlear em pastoralismos ou em outras quaisquer servidões. Não destino, através da amizade, a plenitude ou uma outra ilusória verdade a não ser aquela que se vai dialogicamente revelando e alçando. Espero sempre muito da amizade, mas dela não aguardo tudo. A amizade resiste ao equívoco e ao distanciamento quando (e enquanto) a mendacidade não a permeia e contamina. Na amizade, as falhas e as fraquezas são acolhidas com singeleza quando vividas na presença sentida de uma liberdade e autenticidade reconhecidas. O espaço da verdadeira amizade é, e será sempre, dominado pelo desejo de estimar e não pelo mando da necessidade (in)certa. A amizade é, no essencial, um lugar de (des)construção, um lugar de liberdade, de autenticidade, de criatividade, de entusiasmo e de (trans)formação . A amizade, esta amizade, de resto, faz-me falta.

domingo, fevereiro 28, 2016

GIUSEPPE VERDI–NABUCCO–VA PENSIERO


Concerto di Capodanno del Gran Teatro La Fenice

O EU, UM EU APENAS GRAMATICAL

 

distraido1Eu cá sou assim, um significante que pouco ou nada afirma de substantivo. Faz parte de uma família de ditos que mais não são do que resistências ao que nos excede, ao que nos escapa, ao que não se (quer) reconhece(r). Mais desastroso ainda; ao que se esforça ignorar como uma parte de nós que nos desconforta. Perante tamanho asserto, desista. Não há espaço para qualquer tipo de questionamento. Em tempo algum será reconhecido ao argumento o seu valor de cidadania. Ou então, faça de conta que não percebe. Passa por ser um tipo porreiro e dialogante, mas corre o risco de que o outro sentencie; já enganei mais um…

quinta-feira, fevereiro 25, 2016

VALE A PENA

 

imagesEscrever não é, para mim, apenas retratar. Escrever é cuidar da vida e não tão-só descrevê-la. É o confronto fatal com o comum enquanto indivíduo, ser moral e sujeito indeclinável de valores. As palavras exigem, deste jeito, uma outra verdade e profundidade. Palavras capazes de desvelar futuro e igualmente talentosas para curar as dores do passado. Por isso, não renego o que já redigi e que não escreveria hoje. Os sujeitos fazem-se, aprendi também, através da escrita. Se bem que eu, tardiamente.

Ao sabor desta inquietação, feita de palavras, deita-se à leiva sementes que no devir do tempo, sem dúvida, germinarão. Com sofrimento e irritação e sem desenlace certo. Das palavras despontam mágoas mas delas, das palavras magoadas, amanhecerão seguramente alentos com futuro. Na esperança quimérica da deleção do que possa anular a Vida e a Liberdade. Vale a pena escrever.

segunda-feira, fevereiro 22, 2016

UM EXÓRDIO AO OFÍCIO DA CIDADANIA

 

9788579383007Todo o indivíduo tem a obrigação cívica de indagar o mundo e dessa perscrutação agir em conformidade ética. Porém, este dever que decorre da sua inerente condição racional de imediato contrai uma responsabilidade quando acrescida por via da divisão social do trabalho. Neste contexto, dever-se-á relevar a sua condição de produtores (e/ou reprodutores) sociais mais do que de recetores de enunciados.

Esta qualidade torna-se fatalmente um poder relativo que se materializa através da influência, sobretudo sobre aqueles que não integram o campo do pensar interventivo ou se encontram em posições desprovidas de poder formal institucionalizado. A função primeira deste exercício é capacitar os cidadãos, num determinado tempo histórico, em dilatar e radicalizar a sua capacidade de pensar-se a si mesmos.

Para tanto, importa levar o pensamento aos limites do pensável, assim como às suas raízes mais profundas. Como? Trabalhando incessantemente e sem concessões sobre o inconfessado, o pressuposto, o pré-conceito, o implícito, o nunca declarado, ou seja, de submeter à discussão precisamente esses conceitos que servem para discutir, mas nunca para serem discutidos, tendo como referências orientadoras as noções de justiça, de equidade e de liberdade, esse pão do espírito humano, por mais perdido que este pareça encontrar-se.

 

 

Nota – o curto escrito que se apresenta é da minha total responsabilidade tomando, todavia, de empréstimo duas ou três ideias de Rui Pereira[1], no artigo de sua autoria ínsito no LE MONDE DIPLOMATIQUE, de fevereiro de 2016, intitulado «Intelectual»: modos de usar.


[1] Investigador do Centro de Estudos Comunicação e sociedade da Universidade do Minho

sábado, fevereiro 20, 2016

O ARDILOSO PIL(A)RETE

 

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António Barreto (AB) faz parte daquele tipo de coro que melhor cantareja o refrão anticomunista. É o homem das sínteses fáceis que, com desembaraço, acaçapam contradições não resolvidas. As suas ideias aparecem sempre emparelhadas para que a falsidade de uma, que importa difundir, se desaperceba acostada a uma outra em geral estimada. Para AB, a liberdade nunca viaja só. Deve mostrar-se sempre bem acompanhada. Pela lei, pelo direito, pela ordem ou pelo consenso. E se aquela se porta mal, a explicação está na complacência crítica dos seus pares. Se os comunistas estão de um lado, ele está certamente na barricada oposta. Aliás sempre do lado dos que lutam contra a luta. Em síntese, a minha, o pigmeu é apenas um pilr(a)ete ardiloso ao serviço das metamorfoses do capital. Domingos Abrantes esclarece[1]:


[1] Entrevista no Diário de Notícias de hoje (20FEV2016)

 

 

“A natureza é por vezes demasiado cruel para algumas pessoas quando chegam a certa idade. António Barreto é uma personagem pouco séria intelectualmente. Barreto já foi tudo na vida. Esquerdista, comunista, socialista, social-democrata. Ultrarrevolucionário quando estava longe da política na Suíça, e contrarrevolucionário no Portugal de Abril. Ele faz parte de uma fauna que quando não sabe explica. Desliza a grande velocidade para posições fascizantes. Basta ver as suas posições sobre a revisão da Constituição e o que defende para a arquitetura do Estado. Nessa crónica expressa um argumento típico do fascismo, a defesa violenta contra os comunistas. Sofre da síndrome dos pigmeus. Acredita que bolçando lama sobre os grandes se torna gigante. É uma doença incurável. Precisamos que Eça ressuscitasse por algum tempo para se ocupar de certas abencerragens.”

quarta-feira, fevereiro 17, 2016

CARTE DA DECIFRARE - IVANO FOSSATI

 
 

A EROSÃO DA DECÊNCIA

 

confiança-thumb-800x381-99258Isabel Stilwell e Ferreira Fernandes falam ambos sobre um garoto de 12 anos traído e, este último, em artigo de opinião no DN, apoquenta-nos, e bem, alegando que o problema é nosso. O garoto é filho de Bárbara e Carrilho e foi a tribunal com a garantia de que seria protegido. Abrigado da morbidez daqueles miseráveis que vivem, deliberada ou impensadamente, do sangue dos outros, acrescento eu. Três pessoas estiveram presentes na sala de audiências mas nada impediu a profusão do relatado. A violação do proposto torna-se escândalo mas, porventura, mais escandaloso será a inconsequência da atroz indecência.

Leio alguns jornais com distância e vejo televisão com desconfiança. Aprendi, à custa de uma tola ingenuidade, que o devir radical dos indivíduos não dispensa a individualidade corajosa que se torna presente em todo ou qualquer terreno em que se tecem e tramam as sujeições. Os efeitos dos media estão suficientemente estudados, merecendo aqui sublinhar a construção de sentidos mais do que sobre conteúdos, com propósitos e interesses diversos. Esta traição nada mais é do que uma habitual cortina de fumo que aparentemente separa a miséria das pessoas e os interesses que trabalham a sua alienação. A falta de nobreza procurará a sua compensação no dinheiro fácil e, sobretudo, nas gratificações dos poderes agradecidos. Que razão é esta que se esclarece contra a mais humana das razões?

sábado, fevereiro 13, 2016

PODER E VIOLÊNCIA SOCIAL

 

 




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Há monstros que matam rápido e a sangue-frio. Outros fazem-no de um modo refinado, ao longo de toda uma vida. O assassinato destes perpetra-se através da humilhação, da desumanidade e da desesperança, quando não, segredam-me as vozes vindas dos cemitérios, de fome e de frio.

sexta-feira, fevereiro 12, 2016

quinta-feira, fevereiro 04, 2016

ESTE MESMO TEMPO – AFINAL UM TEMPO SEMPRE DIFERENTE

 

o tempoFalar da vida com gente mais nova é sempre uma experiência deveras estimulante. Vivendo ambos o mesmo tempo, vivem-no respaldado sobre temporalidades diferentes. Os mais velhos, narrando sobremodo o passado, afiguram-se desejar suspender o tempo. Os mais novos, entrevendo futuridades a alcançar, apresentam-se em especial galanteadores do porvir.

O comum da inquietação é que a ambos o tempo lhes transcende. Na busca dessa sublimidade que lhes escapa, uns e outros se aventuram na façanha do seu gozo. Uns, trabalhando o sadio resgate das suas histórias de vida; os outros, salutarmente esforçando-se por as erguer. Aqueles, sentindo as traições de uma atribuída linearidade; estes, os mais novos, ainda sem memória dos restos que pelo caminho vão ficando.

Os mais velhos não têm pressa; os mais novos mostram-se ansiosos. Mas os dois, espiando a marcha do relógio, sabem que o tempo que importa está ligado aos insuprimíveis desejos. Afinal, esse tempo que significa e se significa é, acima de tudo, subjetivo. O garantido do tempo é que ele passa e não volta para trás, sendo o agora, o único tempo possível em que algo pode acontecer ou, nada sucedendo, sem remédio ele se perde.

Podemos voltar a todos os lugares estimados mas esse retorno jamais fará reverter o tempo. E é o reconhecimento desta absoluta inviabilidade que anima a agitação de significar as nossas histórias de vida e nos concede a possibilidade de as ressignificar, na busca continuada de uma verdade que não sobrevive idêntica ao longo do tempo. Esse agora, esse único tempo possível, e do possível, esse presente sempre fugaz, que logo se torna passado e se faz futuro, é o instante de um presente onde tudo se condensa e converge. As memórias como o presente do passado, a realidade vivida e sentida como presente do presente e o futuro como o presente da espera que se espera com esperança ou mesmo sem ela. Por isso, mais novos ou menos novos encontram-se nesta inquietação comum assente, não na natureza do tempo em si, mas sim na relação do sujeito com o tempo do seu tempo.

 

Imagem retirada DAQUI

terça-feira, fevereiro 02, 2016

SOBRE A ADOÇÃO

 

271271_388534801218954_1279686702_oJoão Miguel Tavares (JMT) confessa-se; teve um sonho. Mas vai mais longe e mitiga a opressão angustiosa da noite rabiscando-o no seu orespeinhonãoébonito, um espaço que o Público lhe concede para os seus devaneios e imaginários remexidos. Aqui, e desta feita, apresenta-se oportunamente pautado, inclinado a cooperar com os seus confirmados pergaminhos para o enobrecimento do debate público Sobre a adoção gay.

Acompanhado da integridade que o convence, e em obediência à sua tão exaltada liberalidade, propõe-se pular duas ou três linhas acima do nível da cavernícola, evitando que o outro simbólico se precipite no recôncavo do subterrâneo das cavernas. Seriamente incomodado, o que não deixa de ser um bom sinal, com as cegas reações igrejeiras (de rejeição ou acolhimento) ao veto do expirante Cavaco, JMT descortina no canto do esvaído Presidente dois bondosos timbres na melodia que fazem, da sua resinosa partitura, algo de aplaudível.

O primeiro timbre, revelador do seu profundo sentido musical, inscreve-se naquela composição cristianizada por pautas que, dispensando algumas notas musicais, inspiram a notação monódica do consagrado gregoriano do Arco da Governação. O segundo timbre, logicamente inscrito na raiz conservadora do gregoriano, passa pela letra da música, das suas dinâmicas e prossegue até ao entrosamento do grupo, para se fixar na qualidade do canto em nome do superior interesse da criança.

À parte da rixa birrenta com o mote do casamento homossexual, diz o crítico, nada de confundir esse legítimo ponto de partida com o direito dos miúdos a serem adotados por esses excêntricos casais. Existindo já laços afetivos estabelecidos, tudo bem. É um problema de coadoção, por acaso já resolvido. Até aqui, é certo, o homem está de acordo. Daqui para a frente, aconselha ele a empreender um amplo e esclarecedor debate público. Assim sendo, e face ao exposto,  qual passa afinal a ser o objeto preciso da dúvida? Se o problema é dos laços afetivos, ou seja, de uma não existência anterior desses laços, o que diferencia o casal homossexual do heterossexual? Eventualmente, digo eu, talvez o preconceito, tornando este, por fim, o essencial da Coisa do debate. Em conclusão; algo já há muito permanecente no recôncavo do subterrâneo das cavernas.

 

Imagem retirada DAQUI

sexta-feira, janeiro 29, 2016

OUSADIA E SENSATEZ – ESTEIOS DE UM CONTRIBUTO

 

ARTIGO DE OPINIÃO PUBLICADO NO ESCOLA INFORMAÇÃO  DO SPGL

O ENSINO PROFISSIONAL EM QUESTÃO

blogUm ponto que me merece ser introdutório: sugerir, desde logo, a ideia de que a educação tem uma história e, conjuntamente associada, uma historicidade que a examina e interpela na sua irrealizável completude. Afinal, uma ação dialógica, em definitivo dispersante, que se vai tecendo na caminhada própria do tempo, esboçando e desenhando forçosos e urgentes futuros. A história entusiasma a humana compreensão, sem dúvida, mas não conduz a um completo entendimento que satisfaça a sua humana paixão. Tendo presente esta convivência improvável, nem sempre virtuosa, entre a história que se estuda e a peregrinante historicidade que a acompanha, o trabalho educativo dá-se na dependência de um incessante e paradoxal movimento que, escapando-lhe, não deixa de ser inspirado por ele e pela sua desmedida pretensão. O modelo escolar há muito inventado, na ilusão de alcançar um todo e perfeito traçado, caracterizado pela sua homogeneidade, mostra-se, afinal, decrépito ante as necessidades multifacetadas do mundo de hoje.

Tendo uma história, a educação torna-se, sobretudo, histórica ao ser confrontada com o inquietamento deste lado pungente do seu disputável curso. Deste jeito, a história vai-se empreendendo na incerta deslocação desse compósito movimento, sempre social, político e antropológico, singularmente marcado hoje, é bom lembrar, pela extensão e invasão do tecnológico. Com particular ressonância social e humana sobre o trabalho e o emprego, esta incursão exuberante do tecnológico interpela profunda e exigentemente a esfera da educação e da formação. Pelas múltiplas transformações que proporciona e suscita, assim como, é sensato assinalar, pelo culto egotista que assiste muitas dessas mudanças e conversões.

quarta-feira, janeiro 06, 2016

A VIDA É ASSIM…

 

a-vida-assim-1-728Sem se dar por isso, a vida costumeira torna-se leiva amanhada. Por ali, corre o dizer preguiçoso e repetitivo. Um curso sem encalhes. Um pensamento findo, um sentir amoldado e o palpite feito crer, em inteira harmonia. A consciência mansa germina assim nesta entorpecida concertação. O sentido para a vida acorda aí indolente, sem vitalidade. Deste jeito, o mundo parece o que se deseja, familiar. À míngua da razão, brilha o fulgor do mito. Ofuscado por esta luz, o desconhecido desvanece-se e a angústia perde o seu objeto. Afinal, é a vida. Aqui tendes o consolo dos que se bastam em vê-la passar. Acontece? Enfim, a vida é assim...!