domingo, fevereiro 28, 2016

GIUSEPPE VERDI–NABUCCO–VA PENSIERO


Concerto di Capodanno del Gran Teatro La Fenice

O EU, UM EU APENAS GRAMATICAL

 

distraido1Eu cá sou assim, um significante que pouco ou nada afirma de substantivo. Faz parte de uma família de ditos que mais não são do que resistências ao que nos excede, ao que nos escapa, ao que não se (quer) reconhece(r). Mais desastroso ainda; ao que se esforça ignorar como uma parte de nós que nos desconforta. Perante tamanho asserto, desista. Não há espaço para qualquer tipo de questionamento. Em tempo algum será reconhecido ao argumento o seu valor de cidadania. Ou então, faça de conta que não percebe. Passa por ser um tipo porreiro e dialogante, mas corre o risco de que o outro sentencie; já enganei mais um…

quinta-feira, fevereiro 25, 2016

VALE A PENA

 

imagesEscrever não é, para mim, apenas retratar. Escrever é cuidar da vida e não tão-só descrevê-la. É o confronto fatal com o comum enquanto indivíduo, ser moral e sujeito indeclinável de valores. As palavras exigem, deste jeito, uma outra verdade e profundidade. Palavras capazes de desvelar futuro e igualmente talentosas para curar as dores do passado. Por isso, não renego o que já redigi e que não escreveria hoje. Os sujeitos fazem-se, aprendi também, através da escrita. Se bem que eu, tardiamente.

Ao sabor desta inquietação, feita de palavras, deita-se à leiva sementes que no devir do tempo, sem dúvida, germinarão. Com sofrimento e irritação e sem desenlace certo. Das palavras despontam mágoas mas delas, das palavras magoadas, amanhecerão seguramente alentos com futuro. Na esperança quimérica da deleção do que possa anular a Vida e a Liberdade. Vale a pena escrever.

segunda-feira, fevereiro 22, 2016

UM EXÓRDIO AO OFÍCIO DA CIDADANIA

 

9788579383007Todo o indivíduo tem a obrigação cívica de indagar o mundo e dessa perscrutação agir em conformidade ética. Porém, este dever que decorre da sua inerente condição racional de imediato contrai uma responsabilidade quando acrescida por via da divisão social do trabalho. Neste contexto, dever-se-á relevar a sua condição de produtores (e/ou reprodutores) sociais mais do que de recetores de enunciados.

Esta qualidade torna-se fatalmente um poder relativo que se materializa através da influência, sobretudo sobre aqueles que não integram o campo do pensar interventivo ou se encontram em posições desprovidas de poder formal institucionalizado. A função primeira deste exercício é capacitar os cidadãos, num determinado tempo histórico, em dilatar e radicalizar a sua capacidade de pensar-se a si mesmos.

Para tanto, importa levar o pensamento aos limites do pensável, assim como às suas raízes mais profundas. Como? Trabalhando incessantemente e sem concessões sobre o inconfessado, o pressuposto, o pré-conceito, o implícito, o nunca declarado, ou seja, de submeter à discussão precisamente esses conceitos que servem para discutir, mas nunca para serem discutidos, tendo como referências orientadoras as noções de justiça, de equidade e de liberdade, esse pão do espírito humano, por mais perdido que este pareça encontrar-se.

 

 

Nota – o curto escrito que se apresenta é da minha total responsabilidade tomando, todavia, de empréstimo duas ou três ideias de Rui Pereira[1], no artigo de sua autoria ínsito no LE MONDE DIPLOMATIQUE, de fevereiro de 2016, intitulado «Intelectual»: modos de usar.


[1] Investigador do Centro de Estudos Comunicação e sociedade da Universidade do Minho

sábado, fevereiro 20, 2016

O ARDILOSO PIL(A)RETE

 

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António Barreto (AB) faz parte daquele tipo de coro que melhor cantareja o refrão anticomunista. É o homem das sínteses fáceis que, com desembaraço, acaçapam contradições não resolvidas. As suas ideias aparecem sempre emparelhadas para que a falsidade de uma, que importa difundir, se desaperceba acostada a uma outra em geral estimada. Para AB, a liberdade nunca viaja só. Deve mostrar-se sempre bem acompanhada. Pela lei, pelo direito, pela ordem ou pelo consenso. E se aquela se porta mal, a explicação está na complacência crítica dos seus pares. Se os comunistas estão de um lado, ele está certamente na barricada oposta. Aliás sempre do lado dos que lutam contra a luta. Em síntese, a minha, o pigmeu é apenas um pilr(a)ete ardiloso ao serviço das metamorfoses do capital. Domingos Abrantes esclarece[1]:


[1] Entrevista no Diário de Notícias de hoje (20FEV2016)

 

 

“A natureza é por vezes demasiado cruel para algumas pessoas quando chegam a certa idade. António Barreto é uma personagem pouco séria intelectualmente. Barreto já foi tudo na vida. Esquerdista, comunista, socialista, social-democrata. Ultrarrevolucionário quando estava longe da política na Suíça, e contrarrevolucionário no Portugal de Abril. Ele faz parte de uma fauna que quando não sabe explica. Desliza a grande velocidade para posições fascizantes. Basta ver as suas posições sobre a revisão da Constituição e o que defende para a arquitetura do Estado. Nessa crónica expressa um argumento típico do fascismo, a defesa violenta contra os comunistas. Sofre da síndrome dos pigmeus. Acredita que bolçando lama sobre os grandes se torna gigante. É uma doença incurável. Precisamos que Eça ressuscitasse por algum tempo para se ocupar de certas abencerragens.”

quarta-feira, fevereiro 17, 2016

CARTE DA DECIFRARE - IVANO FOSSATI

 
 

A EROSÃO DA DECÊNCIA

 

confiança-thumb-800x381-99258Isabel Stilwell e Ferreira Fernandes falam ambos sobre um garoto de 12 anos traído e, este último, em artigo de opinião no DN, apoquenta-nos, e bem, alegando que o problema é nosso. O garoto é filho de Bárbara e Carrilho e foi a tribunal com a garantia de que seria protegido. Abrigado da morbidez daqueles miseráveis que vivem, deliberada ou impensadamente, do sangue dos outros, acrescento eu. Três pessoas estiveram presentes na sala de audiências mas nada impediu a profusão do relatado. A violação do proposto torna-se escândalo mas, porventura, mais escandaloso será a inconsequência da atroz indecência.

Leio alguns jornais com distância e vejo televisão com desconfiança. Aprendi, à custa de uma tola ingenuidade, que o devir radical dos indivíduos não dispensa a individualidade corajosa que se torna presente em todo ou qualquer terreno em que se tecem e tramam as sujeições. Os efeitos dos media estão suficientemente estudados, merecendo aqui sublinhar a construção de sentidos mais do que sobre conteúdos, com propósitos e interesses diversos. Esta traição nada mais é do que uma habitual cortina de fumo que aparentemente separa a miséria das pessoas e os interesses que trabalham a sua alienação. A falta de nobreza procurará a sua compensação no dinheiro fácil e, sobretudo, nas gratificações dos poderes agradecidos. Que razão é esta que se esclarece contra a mais humana das razões?

sábado, fevereiro 13, 2016

PODER E VIOLÊNCIA SOCIAL

 

 




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Há monstros que matam rápido e a sangue-frio. Outros fazem-no de um modo refinado, ao longo de toda uma vida. O assassinato destes perpetra-se através da humilhação, da desumanidade e da desesperança, quando não, segredam-me as vozes vindas dos cemitérios, de fome e de frio.

sexta-feira, fevereiro 12, 2016

quinta-feira, fevereiro 04, 2016

ESTE MESMO TEMPO – AFINAL UM TEMPO SEMPRE DIFERENTE

 

o tempoFalar da vida com gente mais nova é sempre uma experiência deveras estimulante. Vivendo ambos o mesmo tempo, vivem-no respaldado sobre temporalidades diferentes. Os mais velhos, narrando sobremodo o passado, afiguram-se desejar suspender o tempo. Os mais novos, entrevendo futuridades a alcançar, apresentam-se em especial galanteadores do porvir.

O comum da inquietação é que a ambos o tempo lhes transcende. Na busca dessa sublimidade que lhes escapa, uns e outros se aventuram na façanha do seu gozo. Uns, trabalhando o sadio resgate das suas histórias de vida; os outros, salutarmente esforçando-se por as erguer. Aqueles, sentindo as traições de uma atribuída linearidade; estes, os mais novos, ainda sem memória dos restos que pelo caminho vão ficando.

Os mais velhos não têm pressa; os mais novos mostram-se ansiosos. Mas os dois, espiando a marcha do relógio, sabem que o tempo que importa está ligado aos insuprimíveis desejos. Afinal, esse tempo que significa e se significa é, acima de tudo, subjetivo. O garantido do tempo é que ele passa e não volta para trás, sendo o agora, o único tempo possível em que algo pode acontecer ou, nada sucedendo, sem remédio ele se perde.

Podemos voltar a todos os lugares estimados mas esse retorno jamais fará reverter o tempo. E é o reconhecimento desta absoluta inviabilidade que anima a agitação de significar as nossas histórias de vida e nos concede a possibilidade de as ressignificar, na busca continuada de uma verdade que não sobrevive idêntica ao longo do tempo. Esse agora, esse único tempo possível, e do possível, esse presente sempre fugaz, que logo se torna passado e se faz futuro, é o instante de um presente onde tudo se condensa e converge. As memórias como o presente do passado, a realidade vivida e sentida como presente do presente e o futuro como o presente da espera que se espera com esperança ou mesmo sem ela. Por isso, mais novos ou menos novos encontram-se nesta inquietação comum assente, não na natureza do tempo em si, mas sim na relação do sujeito com o tempo do seu tempo.

 

Imagem retirada DAQUI

terça-feira, fevereiro 02, 2016

SOBRE A ADOÇÃO

 

271271_388534801218954_1279686702_oJoão Miguel Tavares (JMT) confessa-se; teve um sonho. Mas vai mais longe e mitiga a opressão angustiosa da noite rabiscando-o no seu orespeinhonãoébonito, um espaço que o Público lhe concede para os seus devaneios e imaginários remexidos. Aqui, e desta feita, apresenta-se oportunamente pautado, inclinado a cooperar com os seus confirmados pergaminhos para o enobrecimento do debate público Sobre a adoção gay.

Acompanhado da integridade que o convence, e em obediência à sua tão exaltada liberalidade, propõe-se pular duas ou três linhas acima do nível da cavernícola, evitando que o outro simbólico se precipite no recôncavo do subterrâneo das cavernas. Seriamente incomodado, o que não deixa de ser um bom sinal, com as cegas reações igrejeiras (de rejeição ou acolhimento) ao veto do expirante Cavaco, JMT descortina no canto do esvaído Presidente dois bondosos timbres na melodia que fazem, da sua resinosa partitura, algo de aplaudível.

O primeiro timbre, revelador do seu profundo sentido musical, inscreve-se naquela composição cristianizada por pautas que, dispensando algumas notas musicais, inspiram a notação monódica do consagrado gregoriano do Arco da Governação. O segundo timbre, logicamente inscrito na raiz conservadora do gregoriano, passa pela letra da música, das suas dinâmicas e prossegue até ao entrosamento do grupo, para se fixar na qualidade do canto em nome do superior interesse da criança.

À parte da rixa birrenta com o mote do casamento homossexual, diz o crítico, nada de confundir esse legítimo ponto de partida com o direito dos miúdos a serem adotados por esses excêntricos casais. Existindo já laços afetivos estabelecidos, tudo bem. É um problema de coadoção, por acaso já resolvido. Até aqui, é certo, o homem está de acordo. Daqui para a frente, aconselha ele a empreender um amplo e esclarecedor debate público. Assim sendo, e face ao exposto,  qual passa afinal a ser o objeto preciso da dúvida? Se o problema é dos laços afetivos, ou seja, de uma não existência anterior desses laços, o que diferencia o casal homossexual do heterossexual? Eventualmente, digo eu, talvez o preconceito, tornando este, por fim, o essencial da Coisa do debate. Em conclusão; algo já há muito permanecente no recôncavo do subterrâneo das cavernas.

 

Imagem retirada DAQUI