terça-feira, novembro 01, 2016

UMA EXALTAÇÃO AO “NÃO” TRANSGRESSIVO

 

Como diz o poeta, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz Não…

Valter Hugo Mãe (VHM) decidiu no seu mais recente livro, Homens imprudentemente Poéticos, ausentar do seu escrito a palavra não. De acordo com o texto de João Céu e Silva[1], dado que o cenário do romance é passado no Japão, VHM esforça-se em respeitar a impropriedade localizada da palavra. Deste modo, evita correr o risco de falsear a relação cerimoniosa que os japoneses correntemente estabelecem uns com os outros. Igualmente, VHM lembra, em axiomático contraste, que na nossa cultura discursiva o não parece inevitável, alongando-se amiúde o seu uso aos limites do diálogo.

Acolhendo eu esta contumácia, quiçá deveras espalhada, diria que ela não se me apresenta, em si, como uma fraqueza. Na minha opinião, este meu arrastado e desafiado sentir aconselha-me a um entendimento diverso. O não, na sua variedade de usos e significações, obriga-nos a um duro e exigente exercício de liberdade e inteligência. Sobretudo, neste tempo de notório trânsito de uma conformação social disciplinante para uma outra de frívola permissividade. Em especial, no tempo presente onde a vigilância, apesar de falsamente ausente, estabelece com vigor e arteirice a rude diligência da sua industriosa destinação.

Vive-se uma época de uma turbulência feita de convergências diversas. Ainda assim, apesar das diferenças, estreitamente escoradas nos interesses de uma ideologia capitalista homicida e nas suas idiossincrasias alienantes. Não se me mostra, pois, ousado sustentar que os múltiplos sentidos do não se entretecem, numa (des)ordem crescente e mistificadora, de armadilhas compulsivas e/ou de vínculos moralistas, notadamente geradoras de desorientadas e doentias euritmias. Como me aparenta inegável, feitas estas de muitos e distintos nãos. Alguns destes silenciosos e enraizados em aberrantes heranças ou em abstrações obsoletas.

Assim sendo, importa alcançar onde está afinal o Não aos nãos que destroem a vida e a sua dignidade. Ao limitá-la e ao desvirtuá-la, esses nãos desfazem a própria vida e, mais do que isso, implacavelmente nulificam a dignidade do ser humano. A liberdade, sendo uma construção humana, os seus alicerces dever-se-ão assentar nos caboucos de uma primordial descrença. Citando David Cooper[2], a descrença na inevitabilidade das coisas que nos oprimem. Postulo, então, que é dessa descrença que germina o Não que nega os nãos que assistem à sujeição, à injustiça e à arbitrariedade. Ou seja, o Não transgressivo de resistência à opressão e à dominação.


[1] No Diário de Notícias de 31 de outubro de 2016.

[2] Em ALINGUAGEM DA LOUCURA.

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