sábado, junho 24, 2017

A SABEDORIA DA INDUÇÃO


Sei que persegues insistentemente a Verdade. Que a buscas caminhando trilhos duros e arrojados. Sei das tuas falhas e dos desencantos guardados na permanência da tua entrega. Quando te dizem sábio, de pronto a tua modéstia repudia tal afago. Sim, todos erramos, mas tu, de um modo esclarecido, como poucos, sabes talentosamente enjeitar o raciocínio do erro. Em particular, quando juntas á tua incerteza mais dúvidas à própria incerteza. És um sábio, enfim, do modo como despertas a opinião definitiva, nesse teu trabalho íntegro e árduo de te desprenderes das certezas, que a tua suspeita, torna incerta.


quarta-feira, junho 21, 2017

A FAMILIARIDADE DA LINGUAGEM E O DESCONCERTO POLÍTICO DE TORNAR O POBRE, UM BOM POBRE


Burgueses há muitos. Os que são porque o são. Outros, porque o cobiçam ser. Outros ainda, porque já os macaqueiam duvidando vir a ser. E, finalmente, a maioria, ou seja, os restantes pobres que se decidem burgueses. Os únicos tangíveis são os matrimoniados com o sistema, que neste vivem bem acolchoados e sabem, igualmente bem, porque razão nele habilmente logram permanecer. Todos os outros, particularizam-se pela natureza da sua ambição de ser, servindo-se de palavras, gestos e esgares grotescos, na qual a farsa, a mistificação, a hipocrisia e a própria imprevidência se caldeiam com a ensimesmada ignorância ou, pior ainda, com o cabal arroubamento de espírito.

Porém, existem Outros. Os pobres, os verdadeiros pobres, os assistidos, aqueles que não têm sequer ensejo para fantasiar e, por isso, atassalham a possibilidade de mitigar a realidade, macaqueando ou cobiçando sonsos e ociosos paliativos. Então, como reconhecer e discernir, não propriamente para surpreender os referidos originais, farsantes ou otários, mas sim o discurso que a todos estas figuras une? Quem é essa gente? Eis alguns sinais que emergem das raízes, relações e entrelaçados circunstanciais dos seus cerceamentos:

domingo, junho 18, 2017

AS UNHAS-DE-FOME DO LUCRO PANÇUDO


Será que alguém de bom senso contradita a ideia de que o Consumo há muito se descasou das verdadeiras necessidades das pessoas, viandando pela intemperança do dispensável ou pelas apatetadas passarelas do Simbólico? Eis um ruído sibilante que julgo salubre lembrar como óbvio; o abrir de mão das rendas com que o concupiscente Lucro avassala a Publicidade conivente em perda do Salário que o serve. Aliás, estrupido esse, que num mundo sem fronteiras, a Besta Globalizada faz ouvir enquanto seu santo e bendito Lugar. Neste, Ela forja mercados, inventa engrenagens e conforma ficções prestáveis à epidemia que sufoca o Humano Futuro. Um futuro, que no concreto, é tão-só um ensejo aguardado, cercado por uma avivada fadiga grifada no paradoxo da recusada descrença. Desta alogia, sobra então a íntegra razão da Esperança do (e no) Humano, donde medra a Convicção que alenta a faina do Resistir.

sexta-feira, junho 16, 2017

O SOFRIDO LABOR DA AUTENTICIDADE


Como é penoso sacudir o passado. Um passado que afinal não passa. Sempre presente, desvela uma sobra de afetos que me amarga. As palavras úteis escondem-se por trás desse mudo silêncio que me castiga. O meu eu inquieta-me e o espelho em que me procuro descobrir não se cansa de testemunhar a minha culpa. Assim, a singularidade, que laboriosamente busco, parece esgotar-se nessa briga infinda com o avesso mundo das normas e dos seus medidores. O caminho e o sentido da autenticidade, desse modo, tornam-se compromisso, dívida para com a dignidade, uma viagem sem dúvida incerta e ousada. No seu fundo, uma aventura humana que não posso, nem devo deixar de tentar. Sempre e com determinação. Não há volta a dar.

quinta-feira, junho 15, 2017

ILUSÃO OU PESADELO?


A ordem mercantilizada, hoje instituída e severamente estabelecida, acomoda-se a uma dinâmica progressiva de desigualdades, inscrevendo-as em largos e múltiplos campos de natureza muito diversa. Não conhecemos os confins deste açodamento, mas vivemos e sentimos já o seu violento ritmo. Saber se as classes sociais, consequência dessas desigualdades, existem e quais as suas fronteiras, constituem hoje vertentes analíticas de merecimento relativo. A expansão e o desdobramento do todo das desigualdades tornam, aquelas, seguramente subordinadas nos seus rumos e alcance. Com a atual evolução da Inteligência Artificial e do desenvolvimento da Biotecnologia, sem demora se perspetiva um outro cenário, ou seja, o da transmudação de natureza das próprias desigualdades. A tradicional e primordial natureza económica das desigualdades será, desta feita, reconcentrada pelo biológico. A partir daí, deixamos de falar de classes sociais e passamos a discorrer, com maior rigor e pertinência, sobre castas biológicas. Assim sendo, nesse tempo, certamente se urdirá e sintetizará a mais inquietante e desalmada doença da humanidade futura. Será?

sexta-feira, junho 09, 2017

SEI APENAS QUE POR AÍ NÃO VOU


Circunstância pode sugerir mera particularidade, condição ou mera qualidade determinante. Contudo, pode também instituir-se como causa, desejo ou motivação incitante ao comprometimento. Ou seja, uma circunstância que se faz ocasião e, não raras vezes, se torna acontecimento, já que força à preferência, ou mesmo, impõe a opção.

Claude Roy, no seu livro O homem em questão, anota no seu texto introdutório, duas ideias que desde 1972 – cumpria eu o serviço militar em Moçambique – eternizei no meu espírito.

A grande questão metafísica da vida quotidiana é a dos encontros. Os seres são inúmeros, mas apenas conheceremos alguns deles.

Mais à frente, acrescentava uma outra que abrilhantava e aclarava a primeira.

Viver nem sempre é escolher o que se conhece, mas é sempre escolher o que se recusa reconhecer.

Ao longo da vida, e nas mais diversas circunstâncias, a síntese destas simples intuições facultaram-me prezar (e dispor) o (do) argumento da recusa, mesmo quando confrontado com o incerto caminho a tomar. A recusa de um caminho tornou-se, nestes hipotéticos cenários, uma confiante certeza que me espicaça o risco de jornadear por veredas desconhecidas e até imprecisas. Apurei, apesar das dificuldades, que o exercício do Não, convicto e fundado, pode-se transfigurar num horizonte impensado de possibilidades e oportunidades. Diferentes, provável e naturalmente, e decerto bem mais benéficas para a Vida.


quinta-feira, junho 08, 2017

OS LUGARES DA VERDADE


Exausto, onde busco os lugares da verdade?

Nos mitos quando a razão me confessa a sua falta?

Nas imagens junto dos vazios do representável?

Escalando o céu das transcendências,

repousando no aconchego das suas metafísicas?

Ou, entre outras artes ilusórias do entendimento?


Apenas creio que esse lugar está ao alcance da coragem,

algures no concreto da vida,

entre o que sou e o que ainda cuido ser.


terça-feira, junho 06, 2017

CHEGOU O TEMPO DAS VERDADES INCONVENIENTES. E A CORAGEM?


Abrolhado eu nas entranhas de um tosco tempo de ignorância, aí duramente devassado pela presença autoritária da crendice e do medo, estremecendo com os decididos assertos de escusos confessores (aqueles de sotaina e outros de diferentes batinas) ou, apenas mesmo, tristemente intimidado com os seus circunspectos, embora ávidos e abelhudos movimentos, sendo esse um passado distante, apresenta-se-me ainda hoje, esse tempo, um tempo de doídas sobras de infindáveis e múltiplas memórias, se bem que algumas de apreciáveis experiências, perduráveis conquistas e, quiçá, muitas outras de lamentáveis impulsos ocasionais.

Recordo ainda, quando fora de portas, digressoando em tempo de férias pelas profundezas da rusticidade das nossas terras e aldeias, o mundo parecendo-me outro, àquela memória incorporara-se afinal uma outra, sem dúvida mais meândrica, forjada na alma de um sentimento de liberdade traído, dado que laboriosamente a circunstancial alforria se me exibia mutilada. Reporto-me àquela outra biografia entontecida por misteriosas histórias repisadas de feitiços e de magias, de bruxas e de endireitas, levando-me a adolescer numa andança em que o permanecer, afinal, se fizera à custa de uma arte de viver em incessante e obstinado risco, porventura até mesmo ascético, na genuína e humana busca de me tornar sujeito da minha própria verdade.

Com o tempo, desfez-se esse tempo da crença assujeitada à conveniência espúria das verdades decididas, passando a escutar o vozear dos possíveis, que das sombras dos seus silêncios, neste meio-tempo, se faziam e ainda se fazem ouvir. Assim sendo, terá chegado finalmente o tempo das minhas verdades inconvenientes? Provavelmente. Tenha eu agora a coragem de as dizer, de as saber dizer e de as saber partilhar claramente e, se necessário, dizê-las com gentil e conveniente insolência, entregando-me à liberdade do compromisso urgente de cuidar de mim, sabendo cuidar do Outro e da dignidade (ontológica) da condição humana que a todos assiste.

sábado, junho 03, 2017

O CÃO, O GATO E O HOMEM


O cão e o gato, mesmo quando exultantes, não riem. A todo o momento, os humanos-bichos-do-mato podem levar o sorriso aos confins da gargalhada. Aqui habita uma estranha diferença digna de ser esgravatada. Desejavelmente, até ao fundo do seu tutano, não obstante as múltiplas teorias a respeito deste social afogo e dos seus peculiares roteiros espraiados sem limites. Para proveito humano e do humano, decerto interessa ousadamente insistir nele, no riso.

O riso é sempre bem-acolhido. Quando a liberdade cumpre a sua parte e o riso alegra o clima. Melhor ainda, se arruma o seu júbilo à serventia do pensar, escarnecendo sobre os ondulantes artifícios das certezas que ordenam as superfícies sonsas das nossas vidas. A sua autora ironia, com malícia encostada, habilmente apresentada, cumpre então aquele vital divertimento de nos devolver as coisas da vida de modo mais aprazível e saudável. Diante disto, enobrecer o riso com humanidade, não só traz vigor à Vida como encanta a sua condição (a Liberdade) e cuida do seu destino (o Outro).