terça-feira, julho 25, 2017

O CANIBALISMO VAGUEIA POR PEDRÓGÃO


Reitera-se que a nossa identidade de ser português balouça entre várias e contrastantes particularidades. O nosso carácter saudoso, embora marcado pela convicção messiânica, facilmente resvala para a inveja mesquinha ou a vaidade justiceira. O sermos anunciados por uma religiosidade caridosa e, apesar disso, esta se tornar, no acometimento pessoal, paradoxal na sua generosidade e solidariedade. Gente que se diz fadada a uma infinda docilidade e, todavia, ser dada à ousada imaginação poética e ao sequente sonho criativo. Enfim, talvez um povo desaconchegado na sua identitária duplicidade de ser e não ser, desejando estar onde não está.

Quem sabe, não sejam estas, nossas e reafirmadas características, marcas inscritas, não apenas em nós, mas na natureza evolutiva do humano que o Homem tece como fronteiras sentenciadas e naturais. O impulsivo algoritmo dessa relação dissonante da sensibilidade, da emocionalidade e do pensamento seja, assim, insubordinado aos limites geográficos e culturais. Daí, considerar provavelmente que é neste terreno escorregadio, ambivalente e naturalizado, que o exercício interesseiro da política se faz, dando origem ao canibalismo ecuménico que a destrói na sua dignidade e equilibrada legitimidade. Pedrógão e o entender das listas das vítimas consubstanciam, na minha opinião, a expressão persuasiva de um conflito político que dessa androfagia é padrão. Lamentavelmente, aquilo que se impunha nobre e ético presta-se a uma reles e desumana pequenez no zénite da tagarelice política. Infelizmente é o que temos, em Pedrogão e não só ...


segunda-feira, julho 17, 2017

O PSD E A COMPULSÃO DE UM PASSOS À ESTAFADA REPETIÇÃO


Assiste-se, presumo eu, a uma sequela traumática neste PSD, excitada por um triste e deprimido Passos Coelho, ainda fixado à marca de uma suposta e inconsequente vitória eleitoral, provável razão de ser desta estendida e gritante experiência do trauma. O seu discurso repetitivo, enfezado e cindido, não atina com qualquer rota de inscrição na teia, aliás consensual, de representações agora aceites face à atual realidade do país. E o que não se representa emerge sempre, e de um modo aparentemente novo, através ilimitadas e compulsivas repetições, diz a ciência psicanalítica. Encarcerado assim no seu trauma, o PSD ou o Passos no PSD, o passado não passa, a história não se move e o presente (do PSD ou do Passos) nela se vai esperneando por asfixia. Permita-se-me um recomendável palpite; lutar contra um luto, fazer o luto, não é enfrentar o esquecimento. É antes um corajoso exercitar da liberdade. É uma árdua faina de nos libertarmos das (pre)disposições que nos aprisionam aos lugares sombrios da infecunda melancolia.

quinta-feira, julho 13, 2017

CASOS E ACASOS NA GEOGRAFIA DA VIDA


Vivência, experiência; o que pode (des)juntar estes conceitos? Confesso que a ideia de vivenciar era, por mim, apressadamente acomodada no solo exausto dos acasos. Por sua vez, experimentar revelava-se-me caminho e percurso a fazer. A vivência era, assim, mais marcada pela inércia do momento, a experiência mais pelo dinamismo do caso, do empreender. Hoje, cuido mais em reunir e não em afastar as duas aperceções. O vínculo resistente da subjetividade está, em ambas, sempre presente. Deste jeito, a experiência decorrida assiste à hospedagem da vivência, e esta, por sua vez, particulariza sulcos na futuridade própria da experiência. Ambas vivem acasalados por uma dupla dependência; a da fluidez pulsional sempre diligente e a da história de vida que nos reconhece. Como separá-las no seu movimento comum? Para nos desobrigar da primeira e podermos afirmar a segunda? Não sei, mas é humanamente possível.


segunda-feira, julho 10, 2017

SABER CUIDAR DA INDIFERENÇA


Vive-se um tempo de insólita feira, onde a ambição, acima de tudo, mercadeja controversos desejos, desdobrados estes na promessa desmedida e abundante de imaginados, e quiçá, fúteis e excitantes prazeres. Daí que a nossa relação com esse atiçado mundo voluptuoso se faça emocionalmente atribulado. Porém, insatisfeitos tais intentos, os alentados proveitos esvaecidos esculpem-se em tristes frustrações ou em intensos desgostos. Enquanto a frustração o tempo cura, o desgosto apodera-se das pessoas. Neste, os incautos, deleitando-se, deixam-se entregar a continuados e reiterados gozos entretanto passados, contudo definitivamente já submersos. Daí que, dei comigo a ponderar, se não vale a pena cuidar da indiferença, procurando escapar, através dela, a inúteis desilusões e, sobretudo, a desgostos que tanto nos castigam. Ou melhor, no uso quotidiano comum, cuidar da indiferença, aprendendo a fazer dela uma qualidade e não, de todo, uma mera apatia mesquinha ou, mais errado ainda, praticar com ela uma selvática e familiar insensibilidade.

sábado, julho 08, 2017

ESTRANHEZAS


Não me revivem deuses, santos ou ídolos de infância. Na escola, na igreja, e mesmo na família, retrataram-me uns tantos. Alguns deles, presentes demais em explanações fatigantes de estórias longínquas. Outros, poucos, mais avizinhados, carrearam uma outra vitalidade, na verdade, mais intimativos ao meu impressionável imaginário. Os retratos destes, em película, ofereciam proximidade, as estampas de outrora daqueles, apenas aparências misteriosas e improváveis. Assim, se porventura os tive, a deslembrança confirma que eles não resistiram ao passar dos tempos. Em definitivo, não habitam em mim heróis provindos da minha infância.

Mais tarde, no tempo adolescente, relevei algumas criaturas. Ainda assim, não muitas. Algumas que me destinaram marcas cinzeladoras do que tenho vindo a ser. Outras, que se me afigurando provocantes, e sobretudo intrigantes, delas conservei vestígios. Melhor, uma memória adiada, embora fecunda na sua permanecente e excitante estranheza. Quando a generalidade das pessoas me fala dos seus heróis e ídolos, não deixo de me sentir órfão desse comum partilhado. Interrogando-me, apesar de respostas presumíveis, não choro esse interpelante desabrigo. Talvez por isso, o culto aos heróis e notáveis não abalou, reconheço, a minha abaladiça emoção. Talvez por isso, não vicejei um qualquer instinto de rebanho. Talvez por isso, me sinta hoje um “velhote” tranquilo, cadenciado pela sua paradoxal inconformidade.

sexta-feira, julho 07, 2017

ORA PORRA!


Poema de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), que dedico como tributo (em particular) ao CM, o diário mais vendido neste país, e que tanto tem contribuído para a proliferação devastadora da ESTUPIDEZ


Ora porra!

Então a imprensa portuguesa é

que é a imprensa portuguesa?

Então é esta merda que temos

que beber com os olhos?

Filhos da puta! Não, que nem

há puta que os parisse.


domingo, julho 02, 2017

NO BALEAL, O LUGAR DO BAR DA PRAIA


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Vivo um tempo que, sendo decurso do Tempo, é também um certo modo de estar (ou de ser), seguramente demudado. Suponho eu, que a vida é assim mesmo. Creio que ela, a Vida, é uma corrente que resvala num aparente e naturalizado quotidiano, anunciando ao longo do seu tempo as marcas indeléveis de uma certa e inevitável marcha do próprio ser. Porventura, um contínuo que se esconde por trás de inesgotáveis descontinuidades, instruídas de invencíveis ressignificações, e em razão disso, de novas e inquietantes interpretações.

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Atendendo a uma voz íntima do dever, sinto-me obrigado a satisfazer uma dívida para com este lugar chamado BAR DA PRAIA, no BALEAL. Neste ambiente paisagístico (mas igualmente humano), aqui parcialmente retratado, vou criando uma reconfortante continuidade com o meu próprio passado, tanto quanto me é possível, pela vontade e autenticidade de um pensar que busca, insistentemente, libertar-se do tolhido e irremissível transato recalcado. Dessa salutar e urgente tarefa, tem-se em vista povoar a tempo o tempo de um presente, desejando que este me esperte a estribar uma sorte, quiçá um fugaz futuro, de uma bem-fadada produção. Assim sendo, ao BAR DA PRAIA, o meu reconhecimento pela sua agraciada hospitalidade.