sábado, outubro 07, 2017

SURPRESA, OU NEM TANTO?

A densidade do institucional demarca e orienta olhares, atenções e intenções. Descuida, por pecha, margens de vida por ele postergadas. As vozes das cercanias não são escutadas pela estranheza dos seus timbres e os seus silêncios fazem-se falsamente insignificantes na paisagem do quotidiano político

Fazer ciência política exige saber e talento para tal. Por manifesta desqualificação, analiso e procuro explicações, aliás persistentemente hesitantes, para os factos e acontecimentos políticos que observo. Por isso mesmo, neste breve texto comprometo-me a não transpor a raia desses ajuizados limites. Para mais, admitindo que o objeto a apreciar é uma realidade que, em concreto, confesso, a represento marcada por calorosa intuição. Assim, para além destas pouquidades, acresce também a natureza compósita do fenómeno observado. Logo, deste apenas isolarei um tópico que me atrai, e nesta contingência, de óbvia natureza empírica. Ou seja, o aspeto da confiança política, que creio relevante para uma leitura compreensiva, seguramente transversal do ponto de vista disciplinar, dos resultados eleitorais autárquicos em Peniche.

Pensar a eleição autárquica em Lisboa ou no Porto não é a mesma coisa que considerar a mesma eleição numa pequena cidade como Peniche. Tendo presente a ideia de confiança política, de imediato se me coloca, nestas circunstâncias, a possibilidade de a interrogar na sua natureza, materialidade e abstração. Como é sabido, o conceito de confiança acolhe coloridos distintos e, daí, qualificativos igualmente característicos que, paradoxalmente, apontam diferenças que estabelecem alteridade. Ao expressar confiança rodopiamos à volta de sentimentos, convicções, crenças, familiaridades e simpatias. A confiança política, não dispensando tais translações, convoca (e consente) mediações de múltiplas influências (institucionais, ideológicas ou outras) com consequências semânticas indomesticáveis. Assim sendo, as referências que deste modo a suportam vão-se ressignificando, no encalço de atingir, ao fim e ao cabo, o argumento síntese da fundada e alegada confiança.

Peniche, sendo, como se disse, uma pequena cidade, e como qualquer cidade pequena, é caracterizada por um tecido enraizado em dimensões comunitárias, de natureza diversa, ocasionador de proximidades e solidariedades, bem como de convicções partilhadas de valores e, naturalmente, de identificações que daí decorrem e que importa considerar. Sem pretensões de profundidade, e tendo em atenção as indagações acima referidas – natureza, materialidade e abstração da confiança política – é aceitável pensar que a matriz das mediações, neste contexto de maior proximidade/pessoalidade, experimenta o desafio de confinidades múltiplas que despistam, como se comprovou, lógicas de certo modo consolidadas ou previsíveis. A confiança política mescla-se, assim, com a confiança pessoal, e esta, com a calorosa simpatia que particulariza, acresce àquela outra o vigor que a testemunha e compele ao voto. A democracia não dispensa partidos, mas terá de aprender a viver (e a indagar-se) com estes saudáveis embaraços.

                                                                                                                                 

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